“Pois
todos pecaram e carecem da glória de Deus. (Romanos 3.23)”
A
expressão “carecem” vem
da palavra grega husteréo,
que significa não conseguir atingir a meta ou não chegar ao fim. De acordo com
o texto acima, o objetivo ou o fim ao qual o homem carece é a glória de Deus.
Ao longo da história da igreja, houve muitas opiniões sobre o significado exato
dessa expressão; no entanto, a interpretação mais comum e aprovada é a
seguinte: o homem carecer da glória de Deus significa que ele não foi capaz de
glorificar a Deus como deveria, e perdeu seu privilégio exclusivo de carregar
ou refletir a glória de Deus.
Glorificando
a Deus
As
Escrituras ensinam que Deus criou o homem para sua própria honra, louvor e
beneplácito. Respiramos somente para que lhe seja devolvido em louvor e
adoração. Nossos corações batem ritmados para que batam para ele estando assim
completamente satisfeito. Nossas mentes têm sua grande complexidade a fim de
pensar grandes pensamentos sobre ele e permanecer em admiração. Nossa força
física nos torna capazes de servi-lo e de realizar a sua vontade. Em suma,
somos dele, por ele e para ele.[1] Encontramos nosso sunum
bonum em amá-lo com todo o nosso coração, alma, mente e
força, e em fazer tudo o que fazemos para a sua glória.[2]
O
homem deve estar obcecado – completamente fascinado – com Deus. Qualquer
satisfação que não encontra nele a sua origem é um ídolo, e até mesmo as
tarefas mais humildes de comer e beber devem ser feitas para a sua glória ou
nem serem feitas.[3]
O
Breve Catecismo de Westminster está correto em declarar que “o fim principal do
homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre” (P. 1). É privilégio e dever
do homem estimar a Deus acima de todas as coisas, estar completamente satisfeito
nele e viver diante dele com reverência, gratidão, obediência e adoração. O
homem era assim em seu estado original antes da queda, e ele nunca estará
completo até que volte ao que era e ao propósito para o qual foi feito.
É
o claro testemunho da Escritura que Deus fez o homem para sua própria glória,
mas o homem voluntariamente se colocou aquém desse propósito. A carta de Paulo
à igreja de Roma ilustra melhor essa terrível realidade: “porquanto, tendo
conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças;
antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o
coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos e mudaram a
glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem
como de aves, quadrúpedes e répteis.”[4] De acordo com esse texto, todos os
homens sabem o suficiente sobre o único Deus verdadeiro de modo de não terem
desculpas diante dele no juízo. Porém, o homem suprime o que ele sabe ser
verdadeiro e se rebela contra o propósito para o qual foi feito, a glória e a
honra de Deus. Afastando-se da verdade, ele fica envolto em trevas e vaidade.
Em vez de se arrepender, ele luta contra o que sabe ser verdade e continua a
sua espiral descendente rumo à escuridão moral, degradação e futilidade cada
vez maiores.
O
pecado que marca a vida de todos os homens é a própria antítese de glorificar a
Deus, e isso demonstra quão inapropriado e inadequado o homem se tornou.[5] Ele
se arrancou do propósito para o qual Deus o fez e se desligou da única razão de
sua existência. Ele deixou a glória do Deus incorruptível e fez para si um
objeto de adoração.[6] Ele rejeitou a vontade de Deus e submeteu-se a si mesmo.
É de se admirar que ele tateia sem sucesso buscando sentido para sua vida e que
suas maiores tentativas de busca por significado são absolutamente ridículas?
É
importante notar que a falha do homem de glorificar a Deus não só conduz a uma
existência sem sentido, mas também é a mãe de todos os outros pecados. A longa
lista de devassidão e vícios listados no discurso de abertura de Paulo aos
Romanos é apenas o resultado de um grande pecado acima de todos eles: a recusa
de todo o homem de reconhecer e honrar a Deus como tal.[7] É a caixa de Pandora
da Escritura e enche o mundo inteiro com caos e destruição.[8]
Esta
breve discussão sobre a glória de Deus é especialmente importante quando
abordamos o mitológica ateu “bonzinho”. Muitas vezes as pessoas tentam dissipar
as reivindicações do cristianismo aludindo ao ateu que não acredita em Deus,
nem presta louvor a Deus, mas é um homem de boa conduta moral que busca o bem
da humanidade. O argumento é que é injusto levar tal homem a julgamento e
condená-lo simplesmente porque ele não vê provas suficientes para sustentar a
crença na existência de Deus.
Este
argumento, apesar de popular, não resiste ao teste das Escrituras. Em primeiro
lugar, as Escrituras afirmam que não há ateus de verdade. Todos os homens têm
um conhecimento do único Deus verdadeiro, porque o que se sabe sobre Deus é
evidente dentro deles; pois Deus lhes tornou evidente através do da criação
para que eles sejam inescusáveis.[9]
Em
segundo lugar, as Escrituras afirmam que o problema do ateu não é intelectual,
mas moral. De acordo com o salmista, é o tolo que diz em seu coração que não há
Deus, e ele não faz isso por razões intelectuais, mas por causa da sua própria
corrupção e do seu desejo de fazer o mal. Ele não quer que a Deus ou sua
moralidade, por isso nega a ambos.[10] Não é o refinamento intelectual do ateu
que o proíbe de acreditar em Deus, mas a sua impiedade e injustiça que o leva a
suprimir a verdade.[11]
Em
terceiro lugar, as Escrituras argumentam contra a possibilidade de um ateu de
boa conduta moral, porque, sem a graça de Deus, “não há justo, nem sequer
um”.[12] O fato de um homem se orgulhar de sua moralidade não o torna alguém de
boa conduta moral. Não são os ouvintes ou os defensores da moralidade que são
verdadeiramente justos, mas aqueles que realmente fazem o que defendem.[13]
Em
quarto lugar, o argumento de que é injusto condenar o ateu com bom
comportamento moral representa uma visão da realidade distintamente humanista e
antropocêntrica. Em um universo centrado no homem, o homem presta contas ao
homem, mas em um universo centrado em Deus, o homem presta contas
principalmente a Deus, e apenas secundariamente ao homem. Mesmo que a vanglória
do ateu de sua justiça para com o seu semelhante fosse verdade, ele falhou em
sua relação e responsabilidade primária para com o Deus que lhe dá vida,
respiração e tudo mais.[14] Esse pecado contra Deus é infinitamente maior do
que qualquer imoralidade que ele poderia cometer contra seu semelhante.
Finalmente,
o ateu aparentemente moral é culpado não só em sua recusa de glorificar a Deus,
mas também de tentar roubar a glória dele. Todos os homens nascem moralmente
corrupto e radicalmente depravados. A única coisa que restringe o mal dos
homens e faz com que eles tenham uma aparência de bondade é a graça comum de
Deus. Se Deus retirasse essa graça e os homens fossem abandonados a serem
regidos pela depravação de seus próprios corações, a raça humana rapidamente se
aniquilaria; seria literalmente um inferno na terra, pelo menos enquanto
durasse. A graça divina mantém a sociedade unida, a fim de que Deus possa
realizar uma obra de redenção no meio da depravação e do desamparo da
humanidade. Não é o ateu humanista ou alguma moralidade evoluída que o impede
de ser um assassino em série e permite que ele faça aquilo que parece ser bom,
mas a providência graciosa de Deus, que trabalha todas as coisas segundo o
conselho de sua vontade.[15] Portanto, o crime do ateu é que ele nega
veementemente o Deus que em graça o restringe em seu mal e lhe dá uma aparência
de bondade. O ateu, em seguida, afirma que a obra é sua e recebe a glória que é
devida a Deus. Ele é um ladrão da pior espécie, um charlatão desprezível. Sua
condenação é justa.[16]
[1]
Romanos 11.36
[2] Sunum
bonum é uma expressão latina que significa “bem maior.” O
homem encontra o seu maior propósito ou fim em Deus. Mateus 22.37; 1 Coríntios
10.31.
[3]
1 Coríntios 10.31
[4]
Romanos 1.21-23
[5]
O pecado é a antítese ou o oposto de glorificar a Deus.
[6]
Romanos 1.23
[7]
Romanos 1.21-32
[8]
Na mitologia, a caixa de Pandora continha todos os males da humanidade. Zeus a
deu a Pandora, que abriu a caixa contra o seu comando.
[9]
Romanos 1.19-20
[10]
Salmos 14.1-3; 53.1-3. A palavra tolo é
traduzida da palavra hebraica nabal,
que denota uma pessoa tola ou néscia. Deve-se notar que nabal é
um termo moral e não se refere a uma vítima da ignorância que deseja sabedoria,
mas a alguém que despreza a sabedoria e é voluntariamente ignorante.
[11]
Romanos 1.18
[12]
Romanos 3.10-12
[13]
Romanos 2.13; Tiago 1.22
[14]
Atos 17.25
[15]
Efésios 1.11
[16]
Romanos 3.8
Extraído do livro 13º capítulo do livro “O Poder e a Mensagem do Evangelho” de Paul Washer, a ser lançado pela Editora Fiel. Tivemos a oportunidade de traduzi-lo e o privilégio de poder compartilhar pequenos trechos de cada capítulo com vocês.
Tradução: Vinícius Musselman Pimentel. Versão não revisada ou editada. Postado com permissão.
Intercâmbio feito por Fábio Araujo
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