Editor do blog "A Arte de Chocar" (www.artedechocar.blogspot.com), colaborador do Púlpito Cristão, Historiador Especialista em História Cultural, Professor de Música, Policial Militar e membro da Igreja Presbiteriana de Guarabira. Conversamos nesta entrevista com nosso conterrâneo Antognoni Misael, sobre assuntos referentes as várias áreas que ele tem atuado. Confira:
01- Em algumas cidades do interior a propagação do evangelho encontra imensas dificuldades, principalmente em decorrência da influência de padres e demais lideres católicos. Como é a realidade atual das igrejas reformadas em Guarabira, principalmente da Igreja Presbiteriana, da qual você faz parte?
Um fato curioso em relação aos evangélicos na cidade de Guarabira ocorreu quando a Primeira Igreja Congregacional foi apedrejada por fanáticos do então Frei Damião em 1937. Tirando esse episódio tenso entre protestantes locais e católicos, não acredito que as maiores dificuldades encontradas quanto a pregação do evangelho aqui esteja relacionada a influência de algum tipo de liderança católica. Ao que me parece, as maiores dificuldades encontraram-se dentro do próprio grupo evangélico local, isso devido à antiga bipolarização (entre as duas maiores igrejas que não se entendiam) e a atual multipolarização (capitaneada pelos neopentecostais e suas variações).
Quanto às igrejas de visão reformada temos além da igreja Presbiteriana, duas igrejas Congregacionais – outras sustentam ainda o nome de alguma denominação tradicional, mas não há como afirmar que são reformadas.
A igreja Presbiteriana de Guarabira particularmente tem buscado fazer diferença nesta cidade cujo evangelho pregado por muitos anos foi o evangelho de condenação em detrimento das boas novas. Graças a Deus temos um pastor presente, que sabe equilibrar bem a teologia, arte e música nos dando suporte para uma vida cristã madura e sem extremismos. Nosso lema “A Igreja que valoriza a pessoa glorificando a Deus”, almeja constantemente que nossa igreja seja reconhecida não como a igreja de grandes obras e milagres, mas como uma igreja que ama, valoriza e cuida dos seus membros.
Vale registrar o fato de que recentemente Guarabira foi bombardeada por novas igrejas independentes. A cada esquina tem alguém reproduzindo o discurso da cura e benção material, o que acaba promovendo um grande contraste entre o discurso reformado e as demais denominações. Nossa responsabilidade aumenta no sentido de que precisamos pregar o evangelho, ratificar a graça de Deus e ao mesmo tempo combater as vãs doutrinas que cercam e sugam muitos fracos na fé. De uma forma resumida, nossa realidade é de tempos difíceis e desafiadores na defesa da fé e proclamação da Verdade.
02 - Em seu blog A Arte de Chocar, continuamente vemos a coerência das publicações com o título do projeto. Por que este enfoque na questão do chocar, da polêmica? E principalmente, os que se chocam, escandalizam-se com o conteúdo dos textos ou com a própria palavra de Deus?
A ideia do blog surgiu por perceber que algumas pessoas só atentavam para um determinado assunto inerente a igreja, vida cristã, de uma forma geral, quando se sentiam surpreendidas por algum comentário ou colocação. De fato pareceu ter algum sentido. Isto porque numa cultura tão hedonista, muitos cristãos não possuem opinião formada sobre assuntos diversos; parece que o “Cogito, ergo sum” (Descartes) não anda fazendo jus ao significado de protestante. Então, partindo dessa sensação, a primeira coisa a fazer foi fisgar o leitor mediante o impacto visual, textual ou conceitual. É o venho tentando (se bem que ultimamente acho que não venho chocando ninguém (rs)).
Penso seriamente que existe uma diferença entre escândalo e “analfabetismo” teológico. Se somos protestantes e em nada temos para protestar ou denunciar, torna-se estranho não? Os evangélicos no Brasil têm doutrinas distintas, diferenciados usos e costumes, o que por natureza gera um tipo de auto-estranhamento. Há um choque em alguns pentecostais tradicionais quando dizemos crer na doutrina da eleição? Ou quando batizamos crianças? Acredito que em parte sim. Isso seria escândalo?
Existe uma diferença entre o que seria escândalo por caráter cultural e verdade bíblica, assim como ninguém deve estar fadado a morrer como criança espiritual. Para este segundo caso, a palavra “escândalo” está inapropriada.
Sei das implicações do “Arte de Chocar”, mas tenho pedido perseverança e sabedoria para saber chocar na medida correta, se é que existe tal porção. (risos)
03 - Provavelmente, por causa de sua formação, notamos um destaque muito grande no aspecto musical, muitas vezes com uma abordagem crítica do cenário nacional da música evangélica. Quais os principais desafios de um músico cristão desejoso em fazer uma boa arte com conteúdo e que se depara com a realidade do mercado "gospel"?
Temos uma história de nossa música cristã brasileira assim como também temos uma história de músicos cristãos brasileiros. Acho um tanto quanto desrespeitoso alguém querer fazer música cristã sem ter o mínimo desejo de conhece sobre ela, ou seja, conhecer a gente que desbravou nossa música superou o monopólio dos cânticos europeus, e que deu um toque de brasilidade e poesia em nossa canção. Aqui me valho de gente como Jayrinho, Sérgio Pimenta, Janires, Bomilcar, João Alexandre, Logos, Jorge Camargo, dentre muitos.
Quanto aos desafios para um músico cristão, elenco o desfio da arte: "Entoai-lhe novo cântico, tangei com arte e com júbilo” (sl 33.3). Acredito que a música cristã tem sido uma arte mais rendida a fórmula do que a criatividade e verdade de quem a produz. Acho também que o músico cristão precisa não se enveredar por esse caminho; precisa buscar nas referências desses precursores exemplos e experiências que vão além da noção de $uce$$o.
O músico precisa tratar as músicas cristãs não pela popularidade, mas pela excelência bíblica, estética e sonora. Desafio também é acreditar que músicos são apenas canais de Deus. Não são “super-ministros”, Levitas, ou redutos de unção. Precisam aprender a serem servos em outras áreas além da música, precisam ser peritos não só nas notas musicas, mas na leitura da palavra, no diálogo e participação com a sociedade, etc. O desafio envolve, da mesma forma, o fazer música no sentido de adoração buscando dar a melhor letra, o melhor arranjo, na busca de um novo cântico. Desafio é principalmente não se render aos fetiches do mercado - creio que para a igreja ser edificada através da música não é preciso tocar sempre o “sucesso do momento”; uma canção que contém verdades bíblicas jamais soará vazia, portanto tiremos essa responsabilidade de querer embriagar a igreja em sua totalidade com mantras que são apenas “mais do mesmo”, mas, do contrário, cantemos a verdade, o amor, a arte, sob os requisitos da excelência, sabendo que Deus sempre nos fará um canal.
04 - Muitos têm notado um processo de crescimento nos hemisfério sul, das antigas doutrinas da graça, conhecidas também por Calvinismo. Neste processo os jovens tem se destacado. O estágio atual das ferramentas da internet, como as redes sociais tem relação direta com isto? E quais a importância e os desafios dos blogueiros reformados diante deste processo?
Com certeza. Essa nova interface de comunicação nos proporciona contatos e influências que no mundo do real vivido durariam décadas. Hoje um simples blog de apologética, música ou arte cristã não vive estanque, isolado, mas chega rapidamente nas redes de twitter, facebook, orkut, myspace, etc., levando ideias, pensamentos e acima de tudo a Palavra de Deus - é o que fazemos comumente no nosso dia-dia, não é?
Um dos maiores desafios para os blogueiros é perserverar, nunca desacreditar no trabalho. Há quem subestime esse oficio, ou quem o minimize sua eficácia, mas não há dúvidas de que o blog é uma ferramenta que transforma que influencia, e edifica pessoas. Poderíamos citar vários casos... Eu sou um exemplo vivo!
05 - Gostaria que você nos falasse um pouco das dificuldades que você enfrentou na área acadêmica ao cursar um curso como o de história, e também que deixasse uma mensagem para os leitores deste blog que passam pelos mesmos desafios diariamente.
Entrei no curso de História no ano de 2001 e confesso que foi muito difícil neste início lidar com as ciências humanas em geral. Enquanto Santo Agostinho afirmava que o conhecimento nos aproximava de Deus eu percebia que aquilo tudo que eu lia, discutia em nada convergia com a Verdade defendida pela minha igreja. Levava anotações e dúvidas para o templo, mas as respostas não convenciam, a ponto que as ciências humanas acabavam por mais atraentes e presentes na minha política e social do que os estudos bíblicos sobre o tabernáculo ou escatologia. Sentia que na universidade havia o prazer pelo pensar, enquanto na igreja havia o prazer pelo reproduzir os conceitos prontos, fechados e nunca postos à mudanças (a saber uma Teologia engessada e muita tradição humana). Foi uma época de crise e desencontros.
Atualmente, trabalho com a área de História Cultural, e tem sido uma ótima experiência. Hoje, menos imaturo que a dez anos atrás, percebi que posso tirar proveito de muitos conceitos de filósofos, historiadores, sociólogos, etc. Contudo para que se tenha um curso prazeroso e saudável espiritualmente, é necessário fazer ajustes e pontes com as Verdades de Deus: quando Hegel entendia que sua dialética se movia por uma força idealista, o espírito, eu posso atribuir nitidamente isso ao que a Bíblia confirma sobre “Ele” como Senhor da história; as “relações de poder” de Foucault, as “representações” de Roger Chartier, por exemplo, são conceitos admissíveis até mesmo numa interpretação bíblica da humanidade. É isso que tenho feito, sem relativizar, claro, a Verdade.
Sugiro urgentemente aos que cursam algum curso das ciências humanas que leiam literaturas cristãs relacionadas a sua área. É de suma importância a defesa da fé de uma forma racional, lógica e inteligente – ser cristão é estar a frente do óbvio, é ver além das coisas. É isso que tenho tentado fazer e acredito piamente que é isso que Deus deseja: que sejamos agentes de transformação em todas as áreas da vida, e com certeza na área acadêmica.
Um abraço, e muito obrigado pela entrevista.
Antognoni Misael
@Artedechocar
Entrevista feita por Rodrigo Ribeiro
@rodrigolgd