quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Narciso e a Idolatria do Espelho

mitologia grega narra a historia de Narciso, um jovem muito bonito que despreza o amor da ninfa Eco, apaixonada loucamente pelo rapaz. O sentimento não correspondido custou a Narciso uma condenação: apaixonar-se por sua própria imagem espelhada na água. Este amor impossível o levou à morte, afogado em seu próprio reflexo. 

Embora fictícia, a historia mitológica toma contornos reais em nossos dias, em que as pessoas estão cada vez mais atraídas por sua própria imagem. Na verdade desde a Grécia antiga a beleza e a força têm sido exaltadas como atributo indispensável ao ser humano. No século 12, devido à ascensão do pensamento humanista, a feição corporal passou a ser apreciada com mais veemência e retratados principalmente através dos pintores e escultores da época. Já no século XXI a admiração passa a ser objeto de auto-adoração, de forma que não é exagero nenhum afirmarmos a existência da idolatria do espelho.

Mas paradoxalmente, esta veneração também tem sido acompanhada por grande insatisfação pessoal. Percebe-se que há um nítido desgosto do homem com sua própria aparência. Motivo este que o leva a buscar de várias formas a perfeição almejada, seja através do fitness, anabolizantes, dietas ou cirurgias plásticas. Alguma coisa em sua imagem está terrivelmente errada, ele tenta agradar-se do que vê em frente ao espelho, mas ainda parece sentir a ausência de algo que o torne realmente belo. Mas qual o motivo de tanto descontentamento?

Para responder, recorro à conclusão elaborada por Anthony Hoekema. Ele identifica que este desprazer é provocado por uma dupla perversão da auto-imagem do homem em decorrência da queda no Éden: primeiro, o orgulho- provocado pelo desejo que o homem passou a possuir de ser maior que o seu Criador (Gn 3.5,6; Rm 12.3); e, segundo, o sentimento de vergonha e menosprezo que o atingiu após o ato de transgressão da ordem Divina no Jardim (Gn 3.7,10). Explica Hoekema:

"Em primeiro lugar, desde a Queda o homem sempre esteve inclinado a ter uma opinião elevada demais a respeito de si próprio. [...] Por natureza, o homem não compreende sua dependência de Deus; pelo contrario é orgulhoso por suas próprias realizações e tem uma ideia exagerada de sua própria importância. [...] O segundo tipo de perversão é também normalmente encontrado no ser humano decaído: a de uma auto-imagem excessivamente baixa. Percebendo que esta longe de ser o que deveria, uma pessoa tende, muitas vezes ao menosprezo, desprezo e, talvez, inclusive o ódio de si mesma. De fato, algumas podem considerar a si próprias como totalmente sem valor." [1]

Perceba que ambos os casos são claramente percebidos em nossa sociedade narcisista. Por trás de todo desejo de perfeição existe na verdade a ambição de torna-se melhor que o outro. Há uma necessidade de mostrar que sua aparência é mais bela. Na verdade a beleza exterior, seja esta natural ou adquirida, pode levar consequentemente ao orgulho e dar vazão a celebração do culto à imagem, característica preponderante de nossos dias.

Mas a segunda afirmação de Hoekema é ainda mais contundente. A insatisfação humana com sua própria fotografia revela claramente sua incapacidade de aceitação de si mesmo. Sua busca pela perfeição, revela uma desesperada maneira de sentir-se importante, de ser notado, de atrair elogios, olhares e assim, suprir de alguma maneira sua "feiura" interior. A aparência pavorosa refletida no espelho o leva a um terrível complexo de inferioridade.

De fato, o homem caído é pobre de beleza, mas não dá beleza física e corporal, pois esta pode ser adquirida através de vários artifícios, como já citado. A única beleza que pode lhe satisfazer é a beleza espiritual, da formosura divina, adquirida somente através de Cristo, a imagem perfeita do Deus invisível (Cl 1.15). Apenas Nele o homem é capaz de satisfazer-se totalmente. Sua completude de prazer só será saciada quando ele se tornar parecido novamente com seu Criador. E nenhum esforço ou métodos próprios poderá lhe proporcionar esta dádiva, senão o Espírito do Senhor e enquanto buscar formosura à parte de Deus sempre se afogará em sua própria imagem decaída.

Em Cristo, Aquele que é a plenitude da beleza de Deus.

Ericon Fábio
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Citação:

[1] HOEKEMA, Anthony. Criados à imagem de Deus. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.  

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