A mitologia grega narra a historia de Narciso, um jovem muito
bonito que despreza o amor da ninfa Eco, apaixonada loucamente pelo rapaz. O
sentimento não correspondido custou a Narciso uma condenação: apaixonar-se por
sua própria imagem espelhada na água. Este amor impossível o levou à morte,
afogado em seu próprio reflexo.
Embora fictícia, a historia mitológica toma contornos reais
em nossos dias, em que as pessoas estão cada vez mais atraídas por sua própria
imagem. Na verdade desde a Grécia antiga a beleza e a força têm sido exaltadas
como atributo indispensável ao ser humano. No século 12, devido à ascensão do
pensamento humanista, a feição corporal passou a ser apreciada com mais
veemência e retratados principalmente através dos pintores e escultores da
época. Já no século XXI a admiração passa a ser objeto de auto-adoração, de
forma que não é exagero nenhum afirmarmos a existência da idolatria do espelho.
Mas paradoxalmente, esta veneração também tem sido acompanhada por grande insatisfação
pessoal. Percebe-se que há um nítido desgosto do homem com sua própria aparência.
Motivo este que o leva a buscar de várias formas a perfeição almejada, seja
através do fitness, anabolizantes, dietas ou cirurgias plásticas. Alguma coisa em
sua imagem está terrivelmente errada, ele tenta agradar-se do que vê em frente
ao espelho, mas ainda parece sentir a ausência de algo que o torne realmente
belo. Mas qual o motivo de tanto descontentamento?
Para responder, recorro à conclusão elaborada por Anthony
Hoekema. Ele identifica que este desprazer é provocado por uma dupla perversão
da auto-imagem do homem em decorrência da queda no Éden: primeiro, o orgulho-
provocado pelo desejo que o homem passou a possuir de ser maior que o seu
Criador (Gn 3.5,6; Rm 12.3); e, segundo, o sentimento de vergonha e menosprezo
que o atingiu após o ato de transgressão da ordem Divina no Jardim (Gn 3.7,10). Explica Hoekema:
"Em primeiro lugar, desde a Queda o homem sempre esteve
inclinado a ter uma opinião elevada demais a respeito de si próprio. [...] Por
natureza, o homem não compreende sua dependência de Deus; pelo contrario é
orgulhoso por suas próprias realizações e tem uma ideia exagerada de sua
própria importância. [...] O segundo tipo de perversão é também normalmente
encontrado no ser humano decaído: a de uma auto-imagem excessivamente baixa.
Percebendo que esta longe de ser o que deveria, uma pessoa tende, muitas vezes
ao menosprezo, desprezo e, talvez, inclusive o ódio de si mesma. De fato,
algumas podem considerar a si próprias como totalmente sem valor." [1]
Perceba que ambos os casos são claramente percebidos em nossa
sociedade narcisista. Por trás de
todo desejo de perfeição existe na verdade a ambição de torna-se melhor que o
outro. Há uma necessidade de mostrar que sua aparência é mais bela. Na verdade
a beleza exterior, seja esta natural ou adquirida, pode levar consequentemente ao
orgulho e dar vazão a celebração do culto à imagem, característica
preponderante de nossos dias.
Mas a segunda afirmação de Hoekema é ainda mais contundente.
A insatisfação humana com sua própria fotografia revela claramente sua incapacidade
de aceitação de si mesmo. Sua busca pela perfeição, revela uma
desesperada maneira de sentir-se importante, de ser notado, de atrair elogios, olhares e assim, suprir de alguma maneira sua "feiura" interior. A aparência pavorosa refletida no
espelho o leva a um terrível complexo de inferioridade.
De fato, o homem caído é pobre de beleza, mas não dá beleza física
e corporal, pois esta pode ser adquirida através de vários artifícios, como já
citado. A única beleza que pode lhe satisfazer é a beleza espiritual, da formosura
divina, adquirida somente através de Cristo, a imagem perfeita do Deus
invisível (Cl 1.15). Apenas Nele o homem é capaz de satisfazer-se totalmente. Sua
completude de prazer só será saciada quando ele se tornar parecido novamente
com seu Criador. E nenhum esforço ou métodos próprios poderá lhe proporcionar
esta dádiva, senão o Espírito do Senhor e enquanto buscar formosura à parte de
Deus sempre se afogará em sua própria imagem decaída.
Em Cristo, Aquele que é a plenitude da beleza de Deus.
Ericon Fábio
Facebook: https://www.facebook.com/ericon.fabio
Citação:
[1] HOEKEMA, Anthony. Criados à imagem de Deus. 2. ed. São
Paulo: Cultura Cristã, 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário