terça-feira, 3 de setembro de 2013

Cosmovisão Cristã: Um Breve Resumo

Cosmovisão significa basicamente “visão ou concepção de mundo” o que seria uma das possíveis traduções da palavra alemã weltanchauun. Inicialmente a cosmovisão era entendida como a capacidade humana de perceber a realidade sensível (definição de Immanuel Kant), e estava vinculada unicamente a grande sistemas metafísicos e construções teóricas da cultura, mas o significado de weltanchauun foi sendo ampliado, ao ponto de reconhecer-se hoje nos estudos da sociologia do conhecimento que a cosmovisão não somente precede a reflexão teórica mas também a condiciona. Em resumo, a nossa cosmovisão é um conjunto de valores pré-teóricos, a fonte primária de todas as nossas reflexões, a origem de todos os pressupostos científicos, artísticos e culturais. É nesta perspectiva que diversos pensadores protestantes desenvolveram seus estudos, como por exemplo, Abraham Kuyper, James Orr e Dooyeweerd.

Kuyper foi inclusive o mentor do movimento neocalvinista, exercendo de forma prática e admirável suas ideias de cosmovisão, sendo parlamentar, fundando um partido, assim como uma universidade, um jornal e chegando até mesmo ao cargo de primeiro ministro da Holanda, além de ser ministro da Igreja Reformada da Holanda. Este homem notável desenvolveu brilhantemente a concepção de que o Cristianismo nos moldes da doutrina calvinista se revela como um verdadeiro sistema completo de vida, assim como também esposou outras questões bastante interessantes como a noção de que todo homem é fundamentalmente religioso e que a criação deve ser regida mediante as esferas de soberania.

A cultura, entendida como tudo aquilo que é produzido e partilhado pelos homens de uma determinada sociedade, é reflexo das cosmovisões subjacentes no contexto em que é gerada. As crenças fundamentais do indivíduo serão delineadas em todas as suas manifestações culturais, sendo revelada basicamente através de algumas questões essenciais que dizem muito a respeito de sua cosmovisão, como por exemplo: qual a origem da vida ou a finalidade desta, ou ainda, como podemos saber o que é certo ou errado?

A título de exemplificação, Fabiano de Almeida Oliveira cita algumas ilustrações para auxiliar na visualização da relação entre a cosmovisão e a cultura, dentre elas a figura de uma construção onde a cosmovisão é um alicerce, contendo os compromissos de fé, as crenças e os valores, e a imagem de um iceberg, onde se identifica uma pequena camada de gelo visível (cultura, moralidade, ciência, artes), mas no fundo, de modo submerso encontra-se a dimensão tácita da cosmovisão (nossas percepções pré-teóricas).

Esta “camada submersa” em nosso interior é divida em duas partes: a mais profunda, que é a dimensão sócio religiosa central ou espiritual e a segunda, mais próxima da superfície, a dimensão psíquico-social. A camada mais profunda é identificada nas escrituras como o coração do homem, de onde provem todos os seus impulsos (Pv 4.23), e partindo de pressupostos bíblicos é preciso compreender que não existe neutralidade nesta dimensão: o coração do homem é sempre religioso, a grande questão é se ele está voltado para Deus ou se ainda está afetado pelos efeitos pecaminosos da queda em franca rebelião, entregue a desejos apostatas e idólatras. A segunda camada é resultante das experiências psíquicas e sociais acumulados ao longo da vida, desde as menores idades no seio familiar até a relação com agrupamentos sociais mais complexos ao longo da vida. Desta forma a uma soma de duas dimensões no ser humanos, uma mais básica que envolve os impulsos religiosos mais primários de seu coração e outro construída socialmente.

No entanto nossas cosmovisões não ficam estagnadas ou isoladas em nosso interior, muito pelo contrário, elas são constantemente compartilhadas com outros, assim como também somos influenciados por terceiros, em um processo de síntese. Este intercâmbio de valores e informações se inicia nos agrupamentos mais básicos e próximos, mas como numa reação em cadeia, este compartilhamento alcança níveis locais, regionais e até mesmo globais, formando assim o que denomina de espírito de uma época ou Zeitgest. E este é um processo de retroalimentação, os indivíduos influenciam a criação da cosmovisão global e também são influenciados por elas.

Ocorre que este movimento dinâmico de formação e propagação de cosmovisões não se dá de forma aleatória e desinteressada. O fluxo contínuo de percepções e valores de uma sociedade é direcionado por uma rede de interesses através de vários mecanismos que vão desde a educação familiar até mesmo a legislação e produções culturais. E nesta perspectiva é importante ressaltar que algumas cosmovisões são alijadas do processo de compartilhamento, por não se enquadrarem nos critérios daquilo que a sociológica chama de estrutura de plausibilidade, ou seja, os valores escolhidos e defendidos pelos interesses sociais majoritários.

Neste sentido importa elencar os mecanismos utilizados para anular as cosmovisões rejeitadas pela estrutura de plausibilidade: a absorção, que consiste na síntese da cosmovisão minoritária que tem seus valores diluídos e por fim completamente absorvidos; a cristalização que ocorre quando há um isolamento daqueles valores, que passam a ser consideradas peças de um museu, e ainda que continuem a existir são nulas em influência; e por fim a marginalização através de um comportamento ostensivo e hostil contra esta cosmovisão.

A cosmovisão cristã é fundada nos pressupostos bíblicos e é revelada inicialmente em um coração regenerado que não mais está em rebelião contra Deus, mas direciona todos os seus esforços na glorificação de nome, propósito de nossa existência. Assim há uma transformação completa neste individuo, que passa moldar-se a imagem de Cristo e guardar a palavra no coração para não pecar contra Deus (Salmo 119:11), que significa moldar toda a sua cosmovisão de acordo com os princípios bíblicos, resumidamente compreendidos através do tripé Criação-Queda-Redenção.

Em termos gerais, a cosmovisão cristã percebe que tudo que Deus criou é bom e foi criado com o propósito de glorificar a Deus , sendo ele a fonte de toda a vida, além de mantedor de todas as coisas e única fonte de todo o conhecimento. No entanto a queda trouxe efeitos catastróficos para os nossos corações assim como para toda a criação, de modo que em toda produção cultural há um direção apostata, idolatra, que revela rebelião contra o Criador. Mas a história não termina ai. Através da redenção em Cristo Jesus o cristão deve continuar a exercer o seu mandato cultural, “redimindo” a cultura ao seu redor, combatendo os reflexos de pecado e reforçado aquilo que é fruto da graça comum de Deus que ainda permanece no mundo caído, sempre na certeza que Cristo, e somente ele, irá concluir esta obra na sua volta.

Compreendendo que não pode se abster de sua tarefa, pois o mandato cultural é uma ordem cosmológica, ou seja, quer queira ou não o homem sempre vai desenvolver uma cultura, o cristão deve empenhar-se em ter uma boa base bíblica, a fim de ter uma cosmovisão sadia, e posteriormente um conhecimento sólido também em sua área de atuação, com o objetivo de compreender as cosmovisões presentes no seu oficio, arte ou ciência, e assim combater os valores contrários á palavra de Deus e labutar no sentido de solidificar os pontos de uma graça comum e fortalecer os princípios de uma cosmovisão biblicamente orientados. Esta é uma tarefa de todos: o biólogo, o químico, o artista, o jurista, o técnico em informática, o pais na educação dos filhos, o professor, etc.

Por fim, com base em tudo que foi visto, é necessário combater também uma falácia de nosso tempo que nos induz a ter uma fé privada que não tem implicações públicas, um mero sentimento religioso. Isto é impossível de se realizar, haja visto que todo homem é religioso, ainda que este impulso se revele na forma de rebelião. A religião neste caso não é compreendida apenas como uma manifestação socialmente determinada, como a liturgia, o culto, mas sim como a nossa confiança última, o alvo mais profundo de nossa devoção, o alvo de nosso mais firme e resoluto envolvimento e entrega. O incrédulo que não tem Deus como foco e alvo de sua devoção se coloca como seu próprio ídolo, e utiliza sub-ídolos para auxiliar seu culto auto-centrado (ideologia, dinheiro, poder, sexo, amor), no entanto até o mais convicto ateu tem em si uma motivação fundamental religiosa em seu coração, que direciona toda a sua cosmovisão.


Deste modo, devemos rejeitar o isolamento de nossa fé, pois não existe posição de neutralidade religiosa, e nossa cosmovisão deve ter espaço nas discussões públicas e produção cultural. Precisamos resistir às formas com que a estrutura de plausibilidade de nossa sociedade decaída tem usado para eliminar a cosmovisão bíblica, como a secularização e a confrontação ostensiva de nossos valores, através dos meios de comunicações e até dos movimentos acadêmicos e culturais. Isto é uma tarefa de todos nós. Que Deus nos dê graça para cumprir nossos mandatos culturais!

Rodrigo Ribeiro

Este texto é um resumo do módulo COSMOVISÃO CRISTÃ da Especialização em Estudos Teológicos do Andrew Jumper, ministrado pelo Prof. FABIANO DE ALMEIDA OLIVEIRA, de modo que o material produzido por este professor para o curso supracitado foi a base deste reflexão.

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