sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Análise Teoreferente De ‘O Retrato De Dorian Gray’

Introdução
Seria importante perguntar: como Oscar Wilde pode ser tão atual se ele já morreu há 111 anos? Para que uma pessoa seja tão atual, ainda que pertença a uma época diferente, é necessário que entenda bem os seus dias, em primeiro lugar, e que seja visionário, em segundo lugar. O maior diferencial, no entanto, de Oscar Wilde, em “O retrato de Dorian Gray”, é a personificação clara e bem desenvolvida dos conceitos niilista, hedonista e narcisista. Há as suas inconsistências, mas dentro de um espectro humano, poucas obras alcançam esse padrão. Oscar Wilde escreveu, expos sua visão de mundo e viveu como poucos a idolatria de si.

O AUTOR, SUA OBRA E O CONTEXTO.
Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde é um Irlandês, nascido em Dublin no dia 16 de outubro de 1854. Era de uma família de classe média, nasceu e viveu seus primeiros anos de vida num momento em que os irlandeses passavam muitas privações materiais. O pai, William Robert Wilde, era cirurgião oculista e servia à rainha. A Mãe, Jane Wilde, escrevia versos patrióticos[1].
Wilde fez fama e fortuna durante o período que excursionou pelos EUA e Canadá, no ano de 1882. Casou-se com Constance Lloyd no ano de 1884, em Paris, com quem teve dois filhos. Mesmo casado não resistiu à tentação juvenil e por isso foi condenado à prisão em 1895, ficando preso entre os anos de 1895 e 1897. A pena foi baseada na prática homossexual; ele se envolveu homossexualmente com o jovem Lord chamado Alfred Douglas. O pai de Douglas não aprovava tal vida promíscua e resolveu denunciá-lo a polícia, o levando ao tribunal. Depois de três julgamentos veio a sentença. 
Wilde era de família protestante, mas ao final de sua vida, instantes antes de sua morte, converteu-se ao Catolicismo Romano. Faleceu em Paris no dia 30 de novembro de 1900. Sua morte foi também em consequência de uma vida desregrada, regada a muitos prazeres frívolos, imorais, pervertidos. O hedonismo, o niilismo, o narcisismo e a arte pela arte foram crenças absolutamente norteadoras para o brilhante escritor. Ele morreu na ruína e de meningite, dependendo da ajuda de amigos da Itália e França.
Wilde estudou no Trinity College, em Dublin, e em Oxford. No período que ainda estudava no Trinity ganhou uma medalha de ouro de Berkeley em 1874, por um trabalho em grego sobre os poemas helenos. Ganhou outros tantos prêmios, elogios e foi aclamado como um dos principais líderes do movimento estético, sendo o criador do dandismo. Movimento estético marcado pela ideia de que a vida deveria ser baseada nas “preocupações artísticas como forma de enfrentamento dos problemas do mundo moderno”[2].
Mesmo depois de sua prisão, a sua derradeira obra expressiva foi “A balada do presídio de Reading” (1898), aclamada obra até os nossos dias. Na verdade, Oscar Wilde pode ser nomeado entre os principais dramaturgos, poetas e romancistas de todos os tempos, mesmo depois de tão grande declínio em sua vida pessoal. Ele se perdura pelas décadas e certamente permanecerá pelos séculos por meio de suas obras.
Em 1890 foi publicada a primeira versão da obra de Wilde que mais nos interesse nesse momento, “O retrato de Dorian Gray”. Essa versão foi publicada, primeiramente, na revista “Lippincott’s Monthly Magazine”. Em abril de 1891 ele ampliou e alterou a obra e foi publicada por Ward, Lock e Company[3].
A obra foi produzida no período conhecido como “era vitoriana”. Wilde viveu no momento em que a rainha Vitória estava no poder e proporcionou significativo progresso para os britânicos. É certo que nesse mesmo período alguns irlandeses passavam por várias privações, contudo, por causa do expansionismo do império britânico, prosperidade, riquezas e paz (pax britânica) fizeram com que os britânicos desfrutassem de regalias e principalmente os aristocratas da época vivessem em grande ócio.
Por meio dessa e de outras obras, Oscar Wilde criticou essa visão progressista, expansionista e industrial do seu período. Um dos propósitos de “O retrato de Dorian Gray” é mostrar também a baixeza humana. Wilde apresenta um ser humano refém de manipulações, desejos, paixões, prazeres e crenças não adequadas, supostamente, à pessoas tão superiores. 
“O retrato de Dorian Gray” foi um marco para a sua época e tem influenciado as gerações que têm tido contato com essa tão profunda obra sobre o ser humano decaído de seu estado original. Todavia, não é nossa intenção fazer o trabalho sobre a obra literária, mas sobre o filme lançado em 2009 (última versão cinematográfica da obra) que chegou ao Brasil em 2011, sob a direção do cineasta Oliver Parker.

NARRATIVA E ANÁLISE DA HISTÓRIA
As principais figuras dessa história são Dorian Gray, a personagem principal, que dá nome a obra, Lord Henry Wotton e o talentoso pintor Basil Hallward. Todos da aristocracia britânica. Essas personagens dominam os diálogos ao logo da obra e são responsáveis por expressar, principalmente Lord Henry, a maioria dos conceitos que norteiam a obra. Dorian Gray é basicamente o interiorano mancebo que aprende e vive coerentemente esses conceitos.
O filme começa com uma cena muito forte. O jovem Dorian Gray aparece cravando, repetitivamente, um objeto pontiagudo no peito de Basil Hallward, com quem tinha grande amizade. No começo do filme não havia essas informações, mas ao logo do filme se revela o grande contato que existia entre os dois. A cena é tão forte que o sangue jorrava no seu rosto e ele demonstrava prazer, satisfação, gozo em fazer aquilo.
Voltando um ano, é revelado um Dorian Gray ingênuo, cuidadoso, atencioso e tranquilo, ao ponto de ser crédulo, sensível e consciente. Ele chega do interior encantado com o tamanho de Londres. Na sua chegada muitas pessoas reparam na sua beleza, uma das primeiras falas no filme é um comentário de relance de um grupo de jovens na estação. O comentário foi curto e emblemático: é belo.
O empregado de sua residência, herdada de seu violento avô, o retira do meio dos jovens que claramente tentava se aproveitar da ingenuidade e sensibilidade do rapaz. Chegando a sua casa, sobe até o local onde o seu avô o mantinha preso e o espancava, deixando profundas cicatrizes nas costas e na alma de Dorian. Depois ele aparece tocando piano numa apresentação à aristocracia londrina. Basil Hallward estava no local e se encanta com a beleza do moço. Ele passa a rabiscar o protótipo do retrato que iria produzir.
Num segundo momento Basil está pintando o retrato de Dorian. Nessa oportunidade ele se choca com as marcas nas costas de Dorian. Basil, depois dessa cena, leva o jovem Dorian, ainda ingênuo e sensível, para uma festa e nessa festa ele conhece outro algoz da sua vida, o Lord Henry Wotton.  Henry se encanta com Dorian e resolve moldar, trabalhar ou aperfeiçoar o “bondoso” Dorian Gray.
Dorian, Basil e Henry aparecem agora na casa de Basil terminando o retrato de Dorian. Oportunamente, nas poucas falas do jovem até o momento, Dorian pergunta se Basil não se cansava de olhar para ele. Basil respondeu que não, pois quanto mais olhava, mais ele via. Essa cena alimentou a curiosidade de Henry que desejava ver a qualquer custo a pintura. Eles valorizavam muita a arte, e eram seguidores do princípio da arte pela arte. Logo, a pintura de um jovem tão bonito, feita por um artista tão talentoso, geraria uma curiosidade imensa no lord, como de fato o foi.
Basil não permitiu que ninguém visse o retrato antes que ele fosse totalmente terminado. Ele propôs “tomar uma fresca” e foram para o subúrbio de Londres visando um local denominado por Henry de “clube do inferno” e que foi chama depois de “sua igreja”. Estavam eles no “clube do inferno”, “igreja de Henry”, Henry começa a sua doutrinação mais agressiva, mais direta a Dorian. Ele devaneia mais ou menos assim: não existe vergonha no prazer, Sr. Gray, o homem deve ser feliz, mas a sociedade quer que ele seja bom, e quando ele é bom raramente ele é feliz; porém, quando se é feliz sempre se é bom; você quer ser bom e feliz, Sr. Gray? Dorian responde: Não há um preço a pagar, um efeito na alma? Henry retruca: Na alma (?), esta é minha igreja e com este gole entrego a minha alma ao Diabo. Aquele local de promiscuidade de toda natureza revelava que tipo de prazer, felicidade e liberdade Henry tinha idealizado.
Basil diz que Henry é um eloquente filósofo da tolice, parecendo fazer a função da consciência e da razão em todo o filme. A conversa continua em meio a pessoas fazendo sexo, bebendo e se drogando. Henry diz: As pessoas morrem por bom sensoA vida é um momento e não há futuro (niilismo). E já que Dorian tinha o que se deve desejar, a saber, beleza e juventude, logo, Dorian tinha que se entregar aos prazeres que seu coração vislumbrasse. É a doutrinação niilista-hedonista levada ao absurdo ou a máxima lógica interna. Nesse momento Dorian ainda estava em meio ao dilema de se entregar ao prazer e narcisismo ou permanecer fiel à pureza de sua alma.
Aos 18 minutos do filme, o retrato de Dorian Gray fica pronto e a idolatria a si mesmo brota no coração e se revela nos seus olhares, gestos e palavras. O retrato exerceu um poder de fascínio sobre o jovem. Basil e Henry estão encantados com o trabalho final e Dorian parece impressionadíssimo. O narcisismo passa a se juntar ao niilismo e hedonismo ensinados por Henry. Contudo, ainda é tudo muito embrionário. Nesse mesmo episódio, num rompante, ele começa a ouvir as sutis provocações de Henry que o instiga a fazer um pacto com o Satanás. Dorian Gray ouve uma apologia à juventude e à preservação da beleza, ouvindo que “murchamos e ficamos marcados porque os deuses são odiosos”. Isto quer dizer que a culpa pelo envelhecimento e perda da juventude era de deus. Consequentemente, o melhor é se entregar ao relacionamento pactual com Satanás, pois ele dará o desejável permanentemente.
Dorian então se pergunta em voz audível: acho que devo dar minha alma ao diabo?! Henry considera razoável trocar a “alma” pela juventude e a beleza. No filme a juventude e a beleza são sinônimos de prazer, felicidade e superioridade sobre a matéria, que se acaba por ser inferior. A arte é o “termômetro” e “molda” tudo na realidade, inclusive redime ou eleva a matéria de um patamar ruim e inferior, a um nível superior e redimido pela arte. Observa-se ao longo do filme que nenhum deles se ocupa com trabalho que não seja a arte, a literatura, o teatro e os prazeres. Gray, depois de ter tocado pela primeira vez no retrato, diz, aos 19 minutos e 31 segundos de filme, que sim, que entrega a sua alma ao diabo. Henry, então, simbolicamente, pega uma pétala de rosa vermelha, significando a paixão e a beleza juvenil (a pétala é sedosa como a pele de uma pessoa jovem), e a queima como uma espécie de selo do pacto.
Qual a dinâmica entre essas personagens, mais especificamente Dorian Gray, e o retrato pintado por Basil e tão elogiado por Henry e todos os que faziam parte do circulo de amizades?  Assim como Jesus Cristo, que no Cristianismo é revelado como Aquele que resgata os pecados do seu povo, o retrato de Dorian Gray levaria sobre si todas as mazelas acumuladas pela vida assassina, prostituta, homossexual, drogada, bêbada, hedonista, narcisista, niilista, enfim, destrutiva que o jovem, mas, não mais ingênuo Dorian, levaria sobre si.
Quando o retrato foi divulgado, todos ficaram impressionados e grande idolatria foi produzida à sua figura. Como pontuamos anteriormente, Dorian ainda não vive toda a potencialidade destrutiva e idolátrica que o seu coração começava a produzir com todas as suas forças e com a ajuda de “Satã” (que na verdade é a arte).
Ele conheceu uma jovem atriz, a quem amou e com quem quis contrair matrimônio. Henry ficou incomodado com a possibilidade do jovem “estragar” sua vida casando-se. Todos reprovaram. Henry, por sua vez, o levou para a sua “igreja”, onde mais uma vez Dorian passa por uma intensa doutrinação. Dando mais vazão às consequências do pacto diabólico e idolátrico que fizera.
Um dos pontos interessantes do relacionamento entre a jovem atriz e Dorian é quando eles têm a primeira relação sexual. Dorian, nessa noite, tem um pesadelo com o seu algoz avô. Ele acorda repentinamente assustado e acaba quebrando, com a mão, uma lanterna de vidro. Dorian cortou a mão e enquanto era tratado pela jovem, ela diz que ele ficará com uma cicatriz. Ele responde que já tem outras cicatrizes e tenta mostrar as cicatrizes que têm nas costas, produzidas pelos maus tratos do avô. Para surpresa dele, não havia mais qualquer cicatriz, pois elas já estavam colocadas sobre a pintura, que já começava a sofrer os efeitos das danações do rapaz. A mão dele também sara repentinamente e não há qualquer cicatriz. Nesse ponto do filme, a aparência de Dorian no retrato já começa a modificar e a sofrer visivelmente os danos que deveriam estar sobre Dorian.
Voltando à “igreja de Henry”, ou “clube do inferno”, antes de Dorian se entregar aos prazeres mais baixos, que provocaria o término do noivado com a jovem atriz, Henry diz coisas como: Consciência é um nome mais educado para covardia. Nenhum homem se arrepende do prazer. A única maneira de se livrar de uma tentação é se entregando a ela. Sempre procure novas sensações. Não se obrigue de nada! Não tema Dorain, o mundo é seu. Por uma temporada. Com essa tão aguda doutrinação, Dorian se deixa convencer pela lógica de Henry e assim se entrega à luxuria, promiscuidade e sadomasoquismo. Quando ele chega a sua casa, depois de uma discussão com a sua noiva e término do noivado, ele observa que sua figura está danificada e a retira do local de destaque e coloca-a no local onde ele era trancafiado e sovado pelo avô.
No outro dia, quando descobre que a moça se suicidara, ele ficou muito triste. Henry tenta e consegue, em meio a mais uma de suas doutrinações, convencê-lo de que nada aconteceu por culpa do moço. Dorian diz que não sabe ser assim, insensível. Henry diz que isso não é ser insensível, mas é encontrar uma perspectiva. Inclusive, será uma das frases mais repetidas por Dorian no seu período crítico de entrega aos prazeres, niilismo e narcisismo.
Impressionantemente, Dorian acorda no outro dia, depois da morte de sua ex-noiva, uma pessoa ainda mais diferente para pior. Parecendo outra pessoa, muito, muito mais insensível e destratando as pessoas. Dorian, depois da morte de sua noiva, começa a viver em toda a sua coerência e intensidade as vãs filosofias ensinadas por Lord Henry. Em muitas oportunidades, Basil diz a Dorian que ele não deve acreditar nas coisas que Henry diz, pois Henry mesmo não acredita nelas. Todavia, Dorian se entrega cada vez mais a elas.
Ele se entregou às drogas, ao sexo sem regras com adolescentes, senhoras casadas, às relações homossexuais com vários homens e mulheres ao mesmo tempo, à bebedeira e ao desprezo pelos outros em nome do seu prazer e amor a si mesmo. É verdadeiramente, para Dorian, uma cosmovisão para se viver em toda a sua força e vigor.
Numa festa inesquecível, segundo os convidados, na casa de Dorian, em meio a muita promiscuidade, ele se desentende com Basil. Basil deseja expor o retrato de Dorian numa exposição. Dorian sabendo que não seria possível, visto que a pintura estava contaminada pelas suas mazelas, diz que não pode emprestá-la, pois é muito preciosa. Isso acaba irritando profundamente o seu amigo. Depois dessa situação, que aconteceu durante a festa, na presença de muitas pessoas, Dorian procura Basil no final da festa e tem o primeiro contato homossexual com ele. No final da festa, quando todos já foram embora, Dorian resolve mostrar a pintura e expor os motivos que o levam a não emprestar a pintura.
Quando Basil se depara com a pintura fica profundamente assustado. Ele diz que não foi aquilo que ele tinha pintado. Dorian estão se deixa tomar pelo espírito hedonista, porém, principalmente, pelo narcisista. Havia um espelho quase na frente do quadro, onde Dorian podia ver-se e contemplar sua beleza e juventude, ainda que seu retrato estivesse apodrecido e envelhecido pelos seus pecados, mostrando o que de fato ele era.
Basil afirma que ele precisa de ajuda de um padre ou feiticeiro. Ele também propôs queimar o retrato. Dorian rebate dizendo que eles fizeram juntos o retrato, que lhe permitia não envelhecer. Basil, assustado, tenta fugir e, emblematicamente, Dorian pega um pedaço do espelho, no qual ele se contemplava em comparação com o retrato, e crava no pescoço de Basil, o matando, depois esquarteja o corpo e, por fim, joga-o ao rio.
A frase mais significativa desse momento tenebroso é dita nesse diálogo entre ele e Basil. Dorian diz, aos 59 minutos de filme, que é um DEUS. Ele declara aqui o que é mais óbvio e sensato segundo a visão de mundo que ele alimenta. Somente depois dessa declaração Basil propõe a destruição do retrato, mas a destruição do mesmo seria o mesmo que matar ou arruinar Dorian. Por isso, Dorian não poupou a vida de um precioso amigo. Ele estava dominado pela idolatria do eu e pela busca do prazer.
Cinicamente, Dorian se apresenta surpreso com a morte de Basil na manhã seguinte. Inclusive, fala poeticamente no enterro em homenagem a Basil. Com isso, ele decide sair pelo mundo buscando prazeres e viver plenamente o seu endeusamento, ou seja, a idolátrica vida proposta pelo seu coração, raiz de todos os males que assolam sua vida. Henry é procurado para acompanhá-lo nessa viagem em busca do pleno prazer. A esposa de Henry estava grávida e por isso (o primeiro ato mais visível de incoerência de Henry) decidiu não ir e ficar com sua família, se deixando dominar por alguma coisa. Atitude contrária à tola filosofia ensinada por ele a Dorian.
Dorian, portanto, passa alguns anos vivendo ainda mais plenamente a filosofia ou cosmovisão ensina por Henry. Quando retorna, todos ficam atônitos, estupefatos e boquiabertos com a jovem e bela aparência de Dorian, o que causa orgulho em Henry e nostalgia ao mesmo tempo. No entanto, Dorian se mostra desencantado com a vida. Ele está triste, ainda que jovem e belo. Tudo lhe parece uma prisão, inclusive o prazer e a sua imagem bela e jovem. Ora, todos envelheciam e tinham o correr de suas cronologias em plena normalidade.
A filha de Henry se encanta por Dorian. Entre as muitas conversas reservadas entre os dois, Dorian disse: prazer e felicidade são coisas diferentes. Chegando ao ponto de maior coerência segundo a tola filosofia niilista-hedonista-narcisista (a filha de Henry diz que eles dois fazem o mundo em pedacinho), pois em nada há real significado que produza sentido de vida correto aos homens sem Deus. Dorian estava cansado, segundo Henry, e parte disso se devia ao fato de Dorian ter se afastado dele. A verdade é que o problema permanecia mesmo estando perto de Henry.
Dorian procura ajuda, liberdade, redenção. Ele procura um padre e nessa conversa ele revela o que realmente todo homem é. Coerentemente diz que a sua face bela e jovem não apresenta a realidade de sua alma, pois por dentro ele é podre, sujo como o seu retrato revela. Uma das repetições dele nessa conversa era que ele queria ser livre, ser puro. É a fase em que ele quer saber qual a solução para os seus problemas existenciais. A solução não foi encontrada com as respostas do padre, ainda que ele tenha falado de arrependimento, pois o arrependido Deus recebe. A solução estava na destruição do retrato, segundo o filme, e assim na sua própria morte, como consequência mais severa da sua cosmovisão. Ele mesmo se deixou morrer quando percebeu essa verdade. Entendo que essa é a sentença de Deus para o pecado, a morte. Sem redentor, há morte!
Como Dorian chegou a essa solução? Dorian começou a, sinceramente, se apaixonar pela filha de Henry, mas Henry não gostou e, incoerentemente, quis dificultar o relacionamento entre os dois. Sendo que ele mesmo, numa oportunidade há alguns anos, havia incentivado Dorian a desvirginar uma adolescente, filha de um Lord muito importante e seu amigo. O fato de Henry não aceitar o relacionamento entre Dorian e sua filha provocou um desentendimento entre eles, Henry e Dorian. Num determinado dia, Henry resolveu ludibriá-lo com uma festa onde ele declarava aceitar a união entre os dois.
 Na verdade, Henry estava criando uma oportunidade para ter acesso ao retrato e assim descobrir o segredo de sua juventude e beleza. Dorian percebeu e imediatamente foi até a sua casa tentar impedir Henry de descobrir o quadro. Nessa situação, houve uma luta entre os dois. No final, Henry consegue trancar Dorian dentro do quarto onde estava a pintura, depois de ter ateado fogo no quadro. Dorian, então, pega uma espécie de espada e crava-a no peito da figura, “matando-se”. Ele teve a oportunidade de sair do quarto, mas ele mesmo pediu a filha de Henry que tentava tirá-lo do local, para que o deixasse lá dentro para morrer e por um ponto final em tudo. O filme termina com Henry, o incoerente, vivo e esnobando o rapaz já morto, diante de seu retrato que ficou intocado, somente a moldura queimou um pouco.
O fim de Dorian, assim como o seu começo, passou pelas mãos de Henry, que ensinou Dorian, no início, a fazer tudo pelo prazer. No final Dorian entendeu que prazer é muito diferente de felicidade e que Henry, por sua incoerência, sobreviveu. A incoerência parece ser melhor do que a coerência, segundo o filme. Assis Chateaubriand disse: “a coerência é a lógica dos idiotas.[4]
É importante destacar que a lógica ou coerência interna desta obra literária, retratada resumidamente por este filme, é espantosa. Dentro de uma visão puramente idolátrica ou humanística, esta é uma das obras mais coerentes ou que melhor retratam a vida de uma pessoa sem Deus levada ao absurdo.
O filme é dividido em três momentos: 1º O momento em que Dorian chega do interior e demonstrar ser claramente uma pessoa pura, ingênua, sensível. Aparentemente compatível com padrões básicos da moral cristã. 2º O momento em que ele é manipulado e foi assim corrompido pela doutrinação de Henry e passa a viver intensamente dessa forma. 3º O momento em que ele chega ao fundo do poço existencial e moral. Momento em que ele busca ser livre, ser puro. 
Superficialmente analisando, parece ser mais grave a relação homossexual, a prostituição, o sadomasoquismo, a bebedice, o uso de drogas, ou seja, a vida transviada como um todo. Certamente, Deus ensina que todas essas coisas são pecaminosas. Evidentemente que essas atitudes revelam o cerne da cosmovisão que guia a vida de Gray. Esmiuçando, entretanto, a obra mais atentamente, abundantemente se encontram os fatores que são a fonte inquestionável das práticas tão odiosas, a saber: o niilismo, o hedonismo, o narcisismo e, principalmente, a incredulidade e a idolatria.
Nela encontramos também um entendimento subjacente que coloca o homem como um ser bom em seu âmago, mesmo depois da queda. Eles não creem na teologia da queda e da depravação radical do homem, expostas claramente nas Escrituras (Gn 3; Ef 2: 1-3). Dorian Gray é o representante de todos os seres humanos que chegam ingênuos do interior e são contaminados pela forma de viver niilista, hedonista e narcisista, ou seja, idolátrica e incrédula dos centros mais desenvolvidos. Para Wilde, os homens podem ser e são corrompidos, ainda que tenham no fundo uma natureza boa, pois na verdade o que corrompe ou preserva o homem é o meio onde ele vive. Por isso, a obra fala de manipulação e suscitação de apetites reprimidos pela moralidade cristã, tão indesejável.
A ideia de deus, principalmente, é culpada pelo fato dos homens não conseguirem viver felizes. Para resolver esse problema é incentivada a perspectiva narcisista, pondo a si mesmo como o seu próprio deus; e foi ensinado a Dorian que ele deveria não querer ser bom, pois se o homem for bom, segundo a moralidade ou a consciência, ele não seria feliz. Dorian foi ensinado por Henry a não ser mais sensível a consciência e a desacreditar nos princípios morais inibidores da busca pela felicidade.
Num primeiro momento, é normal a busca desenfreada pelo prazer, pois o homem vê o resultado imediato ou percebe a resposta rápida aos seus sentidos; e sendo o homem um deus e tendo o “deus cristão morrido”, não há mais, portanto, limites impostos pela moralidade externa ao homem. Inibir os prazeres do homem, o senhor de si, estar na qualidade e no mesmo nível do pecado para o cristianismo.
Daí surgem as relações luxuriosas, promiscuas e insensíveis de Dorian. Não é a manipulação do meio, não é a luxuria, a promiscuidade, homossexualidade, as drogas ou prostituição que causam o afastamento de Dorian ou de qualquer outro ser humano da bondade original (ou coisa que o valha), mas, sim, o fato inalienável de estarmos profundamente alienados pelo pecado original bíblico, relatado nas Escrituras, que escravizou o homem à condição de buscar loucamente ser como Deus. O tolo diz no seu coração que não há Deus, pois ele mesmo quer ser Deus e vive uma vida desregrada aos olhos de Deus porque ele crer em si mesmo como sua vara de medir (Sl 14).
Vivendo uma vida de coerência elevada ao absurdo, Dorian descobre que só há infelicidade em ser o centro de todas as coisas. Ser o centro gravitacional de “seu universo” é fardo insuportável. O prazer não gera mais felicidade, como Henry o ensinou. Existe, sim, uma incoerência entre o que se fala em nome do prazer, do narcisismo, do niilismo e a realidade daqueles que vivem segundo essas crenças. Basil já o havia alertado para tais tolices ensinadas por Henry; inclusive, nas entrelinhas, alertando para o seu devastador efeito. Contudo, Dorian descobre isso tarde demais, pois a única coisa que o pode salvar é a destruição daquilo que lhe aprisiona e conserva a sua vida. O retrato desempenhava um papel muito similar ao de Cristo para a sua Igreja. Sem dúvidas, nesse romance, o retrato de Dorian Gray é uma personagem redentiva.
A Palavra de Deus nos ensina que o salário do pecado é a morte (Rm 6: 23) e certamente a solução para aqueles que não conhecem a Cristo é a morte. Dorian e o grotesco monstro que estava no retrato, que na verdade é Dorian no seu interior, deveriam morrer. 
Dorian, um pouco antes de matar Basil, chega ao ápice da tentativa de viver a sua crença quando se proclama um deus, como de fato todo o enredo faz parecer dizer e como anteriormente já argumentamos. Isso quer dizer que a cosmovisão dele é baseada na crença de que ele pode todas as coisas como um deus poderia todas as coisas em busca de sua plena satisfação, felicidade, prazer. Dorian poderia permanecer jovem, belo e sem danos, buscando toda sorte de prazeres, felicidades e sentido para viver; o falso gosto da ilusória imortalidade e da ilegítima eternidade fez com que ele se visse um deus. Ele também poderia responder aos dilemas essenciais da humanidade: quem eu sou? Qual a natureza, tarefa e o propósito do ser humano? Onde estou? Qual a natureza do mundo e do universo onde vivo? O que está errado? Qual o problema básico ou obstáculo que me impede de atingir a satisfação, a felicidade e a completude? Como posso entender o mal? Qual a solução para o mal? Como posso vencer, superar o impedimento para a minha realização? Como encontrar a salvação?
Henry ensinou e Dorian aperfeiçoou e viveu o quanto pôde as pseudo-respostas proporcionadas por essas vãs crenças no narcisismo, hedonismo e niilismo. Fundamentadas tão somente na incredulidade e idolatria do homem apóstata. O fundamento visível ou declarado era a sua juventude e beleza, pois essas são as duas coisas mais desejáveis, segundo Henry. Só que essa vida não se perdurou por muito tempo. O homem não foi criado para ser igual a Deus e nem para agir igual a Deus. Esse foi o pecado de Adão e Eva, eles queriam ser como Deus e como Deus ninguém pode ser. Não há bondade no homem pós-queda, mas podridão, impureza e escravidão, como Dorian reconhece buscando a solução para os seus pecados. Dorian procurou principalmente uma solução para as suas falsas crenças, motivações, afeições, paixões e motivos últimos para a existência. É impossível encontrar verdadeira resposta nas tolas e vãs crenças que ele havia aprendido com Henry. Ele alcançou o ponto do desespero. 
Aparentemente as coisas podem até parecer boas para os que não conhecem a Deus e são movidos por crenças, motivações, afeiçoes e paixões últimas pelo eu. Todavia, enfim, elas se revelarão destrutivas, mortais e aprisionadoras. Deus criou todas as coisas para determinados fins (Pv 16: 4) e sem sombra de dúvidas o homem não foi criado para ser senhor de si e determinar a si quais são as fontes da veraz alegria, prazer santo e satisfação adequada! A resposta para tais coisas e fonte para tais necessidades só se encontram em Deus, o verdadeiro, santo e eficiente Deus. A tão almejada, desde o Éden, autonomia ou emancipação de Deus é uma quimera de mau gosto!
O dualismo da obra se revela em coisas simples: em toda a obra não se encontram pessoas trabalhando ou valorizando a matéria desassociada da arte ou do belo (Ec 5: 19). Bem como nas questões de dilema moral não encontramos padrão de ética, visto que há necessidades instintivas e, ao mesmo tempo, sem qualquer prova aceitável de fonte autoritativa, se exige do homem um procedimento ético que depõe contra os instintos lógicos do prazer e da felicidade.
Isso tem a ver com o entendimento filosófico encabeçado por Oscar Wilde, o esteticismo. O trabalho era visto como algo inferior e a arte era superior, e pela arte tudo se explicava e nela encontravam-se respostas para os dilemas atuais. Viver pela arte e para a arte era o ideal almejado por eles para redimir e elevar a matéria ao nível superior, que passava pelo trabalho do artista. O movimento estético cobiçava, também, incorporar perfeitamente à vida cotidiana o princípio da arte pela arte.
Wilde, então, platonicamente, fez uma junção interessante. Entende-se, a priori, que uma vida de prazeres traz efeitos devastadores à alma (não racionalmente verificáveis) e ao corpo (provado pelo envelhecimento e etc); a arte elevará a condição em que o corpo se encontra por causa da vida desregrada, em nome da busca pelos prazeres da vida. Ou seja, a arte sarava as mazelas de Dorian para que ele pudesse viver uma vida prazerosa e feliz, justificada por um estranho sentido místico-religioso (o pacto com o diabo). Na verdade essa é uma ideia apóstata, visto que põe a arte como salvação. Salvação essa que é a manutenção e preservação da busca pelo prazer, pois o retrato preserva a juventude e a beleza de Dorian – instrumentos indispensáveis para se alcançar o prazer.
A alma, por sua fez, ficou por conta da satisfação que a preservação nos prazeres poderia produzir à deleitosa alma. Melancólico engano, a alma apodreceu e o corpo ficou belo! Não ficou tão claro, mas nas entrelinhas, há um menosprezo pela crença na alma. A consciência ou a alma é uma desculpa dos covardes, segundo Henry. Assim, se tudo estivesse bem esteticamente e o ímpeto pelo prazer não estivesse sendo reprimido, logo, a alma estaria intacta. Na realidade, não é assim que as coisas são e no final a consciência, a alma, ou seja, o homem interior foi profundamente afetado e a redenção e as crenças de Dorian não foram eficientes e suficientes. De tudo o que se deve guardar, guarda primeiro o coração (Pv 4: 23). A Escritura também nos ensina que, depois de salvos, salvos de verdade, devemos glorificar a Deus no corpo (1Co 6: 20). É simples, se o corpo glorifica, quem glorifica é o homem e não somente a alma ou não somente o corpo, mas o homem.  
Os dois principais e mais dilacerados erros dessa obra literária cinematografada são, em primeiro lugar, o endeusamento de Dorian e a adoração a ele. Somente Deus deve ser glorificado e cultuado (Sl 22: 23). A partir dele tudo o mais deve ser vivido, ou seja, devemos gozá-Lo para sempre (Sl 50: 23; Ec 2: 24-26; Rm 15: 13; Jo 15: 11; 17: 13). Este é o fim principal do homem. Em segundo lugar, fizeram da arte a salvação (justificação, regeneração, santificação e glorificação) para os seres humanos. É como Satanás que tenta ser Jesus Cristo (Ap 13 e 14). Ele tenta, tenta, mas nunca consegue. Jesus Cristo é o único salvador dos pecadores (Rm 8: 33-34).
Por fim, importa destacar que Dorian Gray pode sim ser um bom exemplo para os cristãos, num determinado sentido. A maneira com que ele vive as suas crenças idolátricas, aplicando-as o mais coerentemente possível, nos desafia como cristãos. Oscar Wilde apresenta uma personagem que busca viver, como último sopro de sua vida, as suas crenças, formando claramente uma cosmovisão e uma ética. Muitos cristãos estão acomodados às facilidades da ignorância e da incoerência. A vida de alguns cristãos é tão diferente da vida cristã que, na prática, se vê que não creem corretamente e por isso não há a possibilidade de viverem coerentemente e corretamente o cristianismo bíblico.
É como quando nos encontrávamos no mundo de pecado, alheios e alienados da verdade libertadora (Jo 8: 32). Até que um dia alguém que já fora chamado por Deus nos ensinou sobre a libertação do velho homem em Cristo Jesus. Disse-nos que nEle teríamos real felicidade e prazer, pois podemos nos deleitar em sua preciosa Palavra e Salvação (Sl 1: 2; 35: 9). Os crentes em Deus têm a obrigação de viver coerentemente a crença única e verdadeira (Fp 1: 27; Tg 2: 12). Formando, sem tanta sofisticação no começo, um sistema de crenças refletidas e vividas de acordo com a Palavra de Deus e retro examinadas pela Palavra de Deus. A nossa fé, como dom de Deus para confiar em sua Palavra, deve moldar tudo o mais em nossas vidas, mas não só moldar a substância de nossa existência, mas transformar as nossas motivações, afeições, crenças e paixões.
A diferença é que não nos encontraremos com a contradição entre nossa crença e a realidade no fim de nossas vidas. Ao final nossa esperança se concretiza plenamente. No final de nossas vidas, quando para alguns não haverá mais sentido em nada do que se fez sem Deus, veremos que tudo estava bem e sempre caminhou muito bem, pois a nossa frente estava aquele que é “o caminho, a verdade e a vida”, Jesus Cristo (Jo 14: 6). Infelizmente muitos cristãos têm agido mais como Henry, que mesmo tendo sido o mestre de Dorian, fazia de sua crença um esporte ou um passatempo tolo, considerado que sua incoerência sempre falava mais alto do que levar a cabo todos os seus devaneios. O ponto nevrálgico dessas crenças é que elas são muito coerentes na teoria, mas na realidade são autodestrutivas para aqueles que teimam em ser coerentes com uma coisa incoerente por natureza. Henry seria um exemplo mais real daquilo que os ímpios vivem de suas crenças.
A Palavra de Deus diz que devemos ter prazer na lei do Senhor (Sl 1: 2); que ela seja o único prazer do cristão. A Palavra de Deus diz que somente a Ele devemos prestar culto, que seja Ele então o único a ser adorado (Ex 20: 3-6). A Palavra de Deus diz que se deve adorar a esse Deus na beleza da sua santidade (Sl 27: 4; 96: 9). A santidade é bela, o que é santo é belo e o que é belo é determinado por Deus que é santo. A Palavra de Deus diz que só existe um Deus e somente Deus é digno de culto. Creiamos e vivamos coerentemente assim para a glória do Deus santo!

Rev. Renan de Oliveira

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