Mito ou
realidade? Eis uma indagação que paira por sobre a história de muitos
personagens de feitos marcantes e de notáveis simbolismos. Este é o caso do
notável Rei Arthur, um bretão que teria vivido e reinado no território da Grã-Bretanha
no inicio da Idade Média. Apesar de ser um personagem bastante idealizado em
algumas narrativas históricas ou de ficção, o que o fez assumir o papel de mito
fundador para a identidade inglesa, alguns historiadores acreditam que houve
sim um homem cuja história de assemelha ao mito. O que importa destacar é que
ainda que sua história esteja envolta em diversas hipérboles míticas, existem
questões históricas relevantes que podem nos ajudar em algumas reflexões
preciosas.
Este é o
caso da narrativa envolvendo um personagem secundário em sua saga, mas que tem
potencial para ser considerado por muitos um protagonista: o mago Merlim Em
que pese as diversas versões desta figura emblemática, a que se pretende
destacar neste texto é o relato feito por Bernard Cornwell na trilogia que tem
inicio com o livro “O Rei do Inverno”. Neste romance a história do Rei Arthur
com traços bastante realistas é acompanha por outras narrativas, como as
guerras entre os bretões e saxões, além do confronto religioso do paganismo com
o cristianismo romano. É nesse contexto que a figura de Merlim torna-se
proeminente, pois ele era o druida (espécie de sacerdote pagão) mais
respeitado.
Desde o
inicio da ficção nota-se prontamente a ausência de Merlim que teria empreendido
uma misteriosa missão, de resgatar a sabedoria da Grã-Bretanha, consultado os
deuses antigos. No entanto, ainda que ausente, seus ensinamentos direcionam toda
a trama. No entanto, o velho mago não deixou orientação alguma para seus
seguidores, e se colocava em franca oposição a qualquer tentativa de sistematização
e escrita dos seus ensinos, pois os pagãos não deveriam escrever nada, visto
que isto criaria dogmas e consequentes brigas a respeito da interpretação das
palavras. Era preferível deixar as pessoas na dúvida acerca dos ensinamentos,
pois na neblina da incerteza não poderia haver briga alguma.
E esta era
uma evidente diferença entre os cristãos e os pagãos, em razão daqueles se
guiarem pelas palavras do livro sagrado. Isto fazia com os pagãos
ridicularizarem os seguidores do livro por mais esta postura divergente, assim
como faziam com a questão da ênfase cristã no que eles chamavam de resignação
(contentamento), enquanto eles valorizam o egoísmo e ira, e também as canções
de lamento, pecado e culpa dos cristãos que destonava dos seus cânticos de
guerra, sangue e louvor à grandes guerreiros.
Esta
aversão à escrita das doutrinas ocasionou algumas questões no romance:
01 – Um espírito
constante de incerteza no tocante as direções que deveriam ser tomadas, assim
como o certo e o errado, o santo e o profano. Ao afastar-se de dogmas, o
relativismo moral e religioso do paganismo minava qualquer possibilidade de
segurança e senso de direção, pois os homens não sabiam aonde ir, tão pouco
como ir ou que fazer.
02 – Neste
abismo referencial a consequência mais previsível é a criação de líderes
destacados que detêm o monopólio da verdade e assim direciona o povo a seguir a
vontade oculta dos deuses pagãos. O líder, no caso Merlim e suas seguidoras,
assumem uma grande proeminência e bastante poder, usando-o de acordo com suas conveniências
sem que haja alguém que possa questioná-los, pois eles são a fonte máxima e
última da verdade.
03 – Por fim,
percebe-se que os mistérios que o mago Merlim procurava era na verdade os
escritos de um druida, que de maneira leviana havia colocado em palavras escritas
os grandes segredos pagãos. E como o império romano e o cristianismo estavam em
franca ascensão, fez-se necessário resgatar as antigas magias contidas nos
escritos daquele mago de outrora.
Ainda que este relato faça parte de um simples
romance, sua bagagem histórica revela traços interessantes do embate
religioso-cultural que ocorreu na Europa durante a Idade Média, o duelo entre o
cristianismo e as diversas variações do paganismo. E este trecho apresentando
nos revela um destes aspectos mais interessantes: o confronto entre as
Escrituras e o mago Merlim, representando o paganismo.
Em
sociedades em que o Livro de Deus é desprezado, até mesmo por religiões ditas
cristãs, é possível perceber semelhanças com o ocorrido nas páginas do romance
do Rei Arthur, pois ao negarem-se os dogmas, ou verdades absolutas das
escrituras, o relativismo impera e as pessoas ficam depravadas moralmente e
perdidas. Neste cenário, figuras proeminentes como Merlim sempre aparecem e
tomam para si o monopólio da verdade, seja um professor universitário, ou um
falso profeta de falsas religiões. São homens que não podem ser contestados e
manipulam seus seguidores em prol de seus interesses. No entanto, tal como o
lendário mago, sempre acabam por recorrer a “outros livros”, pois uma vida sem
verdades é impossível. Normalmente o que se deseja é excluir somente a verdade
bíblica. Este é o propósito final do circo epistemológico montado pelo
pós-modernismo.
Enfim, que
esta simples reflexão histórica, teológica e literária nos faça perceber que
nossa avançada sociedade ainda carrega muito do paganismo medieval, pois busca
mestres excêntricos, despreza as verdades do Sola Scriptura e termina refém da
depravação e do relativismo que os acorrenta à homens sedentos por poder e
dominação. Entre os “Merlins” modernos e as Escrituras antigas, apegue-se à
verdade que foi relevada por Deus!
Rodrigo
Ribeiro
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