quarta-feira, 27 de junho de 2012

Batman - Cavaleiro das trevas: Uma análise teo-referente



1. INTRODUÇÃO
No dia 18 de julho de 2008 estreava a continuação de Batman Begins (2005),Batman – Cavaleiro das Trevas (doravante, BCT). Sem dúvida, um dos grandes sucessos do cinema americano dos últimos anos. Nessa introdução queremos evidenciar dados incontestáveis que nos fazem concluir que BCT é uma obra que não somente merece ser avaliada como também é uma fonte apropriada de entendimento do nossozeitgeist (espírito da época).
Em primeiro lugar, a aceitação da massa. BCT foi o terceiro filme mais rentável de todos os tempos.1 Pressupondo que a relação entre filme e sociedade é de natureza retroalimentativa, a aceitação da massa revela muito dela mesma bem como revela a influência da obra no povo. É fato que em 2008 Batman já tinha noventa e nove anos. Pode-se, portanto, implicar que Morcego teve tempo suficiente para criar várias gerações de fãs. Daí a razão de sua aceitação, pode-se sugerir. Mas trata-se de um grande engano explicar a aceitação de BCT somente pelo histórico do seu herói. Os parágrafos seguintes elucidarão a questão.
Segundo, trata-se de um filme que superou as expectativas da crítica especializada. Uma palavra sobre o contexto histórico ajudará a entender melhor. Para muitos, senão a esmagadora maioria dos admiradores de Batman, Batman e Robin (1997) acabou com a reputação do homem-morcego. Denominado de “horrível”, “infantil” (bobo), “sem conteúdo” e “caro”,2 o filme de Joel Schumacher, que estreou em 1997, foi um fracasso de crítica e de bilheteria. Para os fãs do Cruzado Encapuzado3Begins surgiu como o salvador da imagem do Cavaleiro das Trevas. Por outro lado, a aceitação de Batman Begins tanto da crítica quanto da massa criou um clima de ceticismo para com o próximo da série. A razão é simples: tratava-se de uma sequência. Digo, uma sequência de um filme muito bom. Ora, a reação clássica diante de uma sequência é sempre a mesma – descrença e ceticismo.
Entretanto, BCT surpreendeu. A crítica reagiu empolgada4. Muitos deram nota máxima para a segundo filme de Christopher Nolan (diretor). Comentários como os de Lais Cattassini (Cinema com Rapadura) revelam tal empolgação: “impossível não vibrar com cada segundo de filmagem”5. Tiago Siqueira (Cinema com Rapadura) assegura o lado positivo da obra: “Tenso e emocionalmente pesado, ‘Batman - O Cavaleiro das Trevas’ não é só um mero filme, mas uma experiência cinematográfica única. Uma obra-prima absolutamente recomendada”.6
Em terceiro lugar, as atuações premiadas de um grande elenco. O cast contou com figuras renomadas e premiadas como Morgan Freeman (Lucius Fox), Michael Caine (Alfred), Heath Ledger (Coringa), Aaron Eckhart (Dent), Maggie Gyllenhaal (Rachel Dawes).
Em quarto lugar, a morte misteriosa de Heath Ledger. Ledger (Coringa) é um capítulo a parte. O reconhecimento da comunidade especializada foi unânime. MTV Movie Awards (EUA) o reconheceu como o melhor vilão, o Globo de Ouro (EUA), a BAFTA (Reino Unido) e o Oscar (EUA) o reconheceram como melhor ator coadjuvante. Isabela Boscov, comentarista da revista Veja, entende que Ledger elevou o padrão “um degrau acima” da atuação já premiada em Brokeback Mountain. Falando de sua interpretação, Boscov é direta, “é absolutamente antológica”.7 Todas as premiações foram póstumas. Ledger faleceu no dia 22 de janeiro de 2008 – seis meses antes da estréia do filme. Sua morte misteriosa e prematura gerou especulações e criaram todo um clima de mistério em torno do filme. Muitos ligaram sua morte com os efeitos da interpretação de Coringa.
Em quinto lugar, e não menos importante, o conteúdo do filme. A despeito de se tratar de um filme de super-herói (geralmente ligado público infantil), BCT não é somente entretenimento. Não se trata de um filme reduzido a grandes explosões e grandes efeitos especiais. Ele exige inteligência dos seus “leitores”. A razão é simples: BCT levanta grandes questões éticas e filosóficas. Sem dúvidas, não é um filme para crianças. Temas sobre justiça, o papel da lei, seus limites, o verdadeiro papel de um herói, loucura e caos são traçados. Soma-se a isso o fato de que esses mesmos temas não são abordados em pequenos lampejos, mas em grandes diálogos tornando-se a tônica da obra.
2. SINOPSE
Sequência do sucesso de ação Batman Begins, Batman – O Cavaleiro das Trevas, volta a reunir o diretor Christopher Nolan e o astro Christian Bale, reprisando o papel de Bruce Wayne/Batman. Com a ajuda do comissário Jim Gordon e do novo promotor Harvey Dent, Batman se dedica a combater de vez o crime organizado em Gotham. De início, o trio se mostra eficaz, porém eles logo se veem reféns de um poderoso criminoso conhecido como Coringa, que faz Gotham mergulhar na anarquia e força o Cavaleiro das Trevas a chegar mais perto do que nunca de ultrapassar a linha tênue que separa o herói do justiceiro.8

3. COSMOVISÕES SUBJACENTES

3.1. Ausência de Sobrenatural
Batman é um super-herói diferente. É um herói sem poderes sobre-humanos. Não sofreu nenhuma mutação, não veio de outro planeta, é repleto de cicatrizes, tem crises psicológicas, sofre por um amor não resolvido e é perseguido pelo “fantasma” da perca prematura dos seus pais (determinante em quase tudo em sua vida).
Ele não somente ajuda os policiais como também é salvo por eles. Suas virtudes são exclusivamentehumanas. Especificamente, são virtudes intelectuais e físicas (e.g., habilidade nas investigações, grande aptidão em artes marciais e, sem máscara, um excelente homem de negócios). Podemos dizer que Batman é o legítimo e verdadeiro Super-Homem. Por isso é o herói “mais próximo” do seu público.
Essa característica tão marcante do homem-morcego, ignorada por Joel Schumacher em Batman e Robin(1997) foi reverenciada e levada às últimas consequências por Christopher Nolan (diretor) em BCT. Para Nolan, realidade significa ausência do sobrenatural. Isso foi evidenciado em sua tentativa de evitar o uso de recursos computadorizados. Seu objetivo é evitar, ao máximo, no espectador, o referencial de ficção. Não é atoa que todas as explosões são reais.
Uma das cenas grandiosas do filme é a destruição do hospital de Gotham. Aqui Nolan não fez qualquer manipulação de imagem. Um prédio real foi destruído. No filme, é Ledger (Coringa) que aciona os explosivos. Foi exatamente isso que aconteceu.
Outro exemplo se dá com os equipamentos do Batman. Todos são reais. Sua moto, assim com sua armadura, realmente existem e podem ser utilizadas na prática. Essa busca contumaz por uma maior realidade determinou o custo do filme (180 milhões de dólares) bem como a rejeição de alguns personagens como Pingüim. Para Nolan, o Pingüim destoava do universo realista dessa série.
A realidade (ausência do sobrenatural) do Batman também pode ser vista em suas limitações. Em uma das cenas primorosas do filme, o Coringa coloca Batman em um dilema: ou ele salvaria a vida de sua amada (Rachel) ou a vida do promotor público (Dent). Revelando as limitações do herói, o Piadista afirma: “Você não pode fazer nada com toda sua força”. E realmente Batman não consegue. Aliás, ele não consegue salvar nenhum deles.
Um dos efeitos dessa busca pela realidade (sem sobrenatural) é nos aproximar do herói, sua história, seus sentimentos, bem como seus ideais. A priori se você tem uma boa saúde, muito dinheiro e um ideal, você também pode ser um Batman. Porém, como ele, não resolverá todos os dilemas da vida.
3.2. Moral e Ética
Os heróis convencionais seguem as regras. Eles não mentem (geralmente omitem), não invadem a privacidade de trinta milhões de pessoas e não torturam. Não é assim com o Batman. É fato que há certo e errado em BCT. Em outras palavras, há moral para o Cruzado Encapuzado. Porém, isso não é o mesmo que seguir a ética vigente. Ética e moral são distintos. O primeiro pode ser mudado e violado enquanto o segundo deve ser obedecido.
Batman vai além do conceito convencional de herói. Segundo o filme, ele é melhor que um herói. A obra deixa patente que ser herói não basta. Ele é o agente do bem, mas não pode estar preso às amarras da ética. Alfred, seu mordomo e conselheiro, afirma que Batman é a única pessoa que pode tomar a decisão correta, pois ele está além da lei, ele não responde à lei, ele está “nas trevas”.
Para BCT, a verdade e o legal são utópicos. Apesar de existir certo e errado, sua aplicação é irreal.Alguém tem que se sacrificar. Alguém que não está preso às amarras da ética convencional. Em sua carta de despedida, Rachel, amiga e amada por Batman, afirma: “O mundo vai sempre precisar do Batman”. Respeitando o contexto da declaração, ela quis dizer que nunca vai surgir um herói “sem máscaras” que siga as regras plenamente – um cavaleiro branco.
Como todo homem sem referencial fora de si mesmo, Batman tem suas próprias regras. Tem moral, mas é ele quem a determina. Sua ética não é baseada em um senso moral a priori (infinito e universal). “[…], a posição moral de Batman se origina de uma apreciação da complexidade do comportamento humano e das formas extremas que ele pode assumir” 9. Sua única regra é não matar. Porém, essa regra está ligada a sua experiência de orfandade prematura e traumática.
A postura de Batman lembra o viver autêntico do existencialismo de Martin Heidegger.10 Segundo o Coringa, poucos se encaixam nessa categoria. Batman e o próprio Coringa seriam um desses. Um (Batman) escolheu combater o crime, o outro (Coringa) escolheu o cinismo e a loucura. A máfia bem como a polícia, por outro lado, são “idiotas” (palavras do Coringa) porque, como a grande maioria, é escrava do sistema. Segundo Joker (Coringa), “o código de honra deles é uma piada (joke) ruim”.
A tese do Coringa é que as pessoas são tão boas quanto o mundo (sistema) permite. Não há uma regra universal. No primeiro sinal de problema ou pressão, o ser humano abandona seus códigos éticos. Se o sistema permitir, diz o Coringa, as pessoas devorariam umas as outras. “Anomalias” como Batman e Coringa seguem sua “vida autêntica”. A diferença, afirma o Coringa, é que agora o sistema precisa do Batman, por isso o aceita, mas logo o expulsará como a um leproso. Para o Piadista (Joker) sua rejeição se dá por estar na vanguarda. Ele está além do Batman. O homem-morcego ainda está preso às regras. E para o Coringa, o único jeito de viver de uma forma sensata é não ter regras.
Há certa indefinição e/ou incoerência na postura moral do Batman. Ora ele parece ser um deontologista11quando não somente não consegue matar o Coringa [talvez sua única regra] como também o salva e luta com a culpa de mortes que não foi o responsável direto;12 ora é um perfeito adepto do pragmatismo e/ou utilitarismo quando se sacrifica sendo odiado escolhendo a mentira como consolo para o povo. Batman é um enigma entre o mocinho e o ladrão, entre o que é correto fazer e o que é, de certa forma, ilimitado pela maldade, crueldade ou o desejo de realizar, pelo mal, o inimaginável. Ele faz o que é moralmente certo, mas “nas trevas”, ou seja, é um fora da lei.
3.3. Pessimismo
A realidade e proximidade do Batman para com o ser humano não são moldadas pelo romantismo do modernismo. Por mais que o herói seja inteligente, hábil fisicamente, possua ideologia e seja um dos homens mais ricos do mundo, ele não resolve tudo. Aliás, ele não consegue resolver seus próprios problemas.
O objetivo do herói do filme é dos mais nobres: inspirar o bem. No entanto, sua existência atrai criminosos cada vez mais loucos como o Coringa. Com toda sua força o herói perde sua amada, e, nas palavras do promotor Dent (aprovadas pelo próprio Batman), ele não passa do produto da indiferença e/ou crítica do povo. Aquele em quem Batman aposta suas fichas para ser o verdadeiro herói de Gotham, o herói sem máscara e seguidor da lei, acaba se tornando um criminoso – chamado posteriormente de Duas Caras.
O pessimismo não está presente somente no insucesso de Batman, mas na relação de dependência ontológica entre o bem e o mal na qual Batman e Coringa estão presos e são seus estereótipos. O filme coloca o bem como uma resposta ao mal, enquanto o mal só existe porque há o bem para combatê-lo. Coringa diz para Batman: “Eu te matar? Eu não quero te matar, você me completa...”. Em outro diálogo Coringa diz: “acho que nós dois estamos destinados a fazer isso para sempre”.
Batman é um homem tentando resolver os problemas do seu povo. Porém, sem sucesso. O Coringa é um louco, autodenominado agente do caos, que tem seus planos, ora são realizados com sucesso, ora são frustrados. Batman e Coringa representam a luta sem fim entre bem e mal.
Há uma máxima que sintetiza o filme. Ela aparece tanto no início como no fim da obra. Primeiro na boca do promotor público (Harvey Dent), posteriormente pela boca do próprio Batman. Segue: “Ou você morre herói ou vive o bastante para ver você mesmo se tornar vilão”. Esse aforismo é realizado tanto na vida do promotor que começa como a grande solução para Gotham e se torna um assassino movido pela vingança e termina com Batman que assume os crimes que não cometeu para manter a imagem do promotor. Ou seja, se alguém planeja fazer o bem, só poderá morrer herói se morrer cedo, caso contrário, se tornará um vilão (pela prática ou pela reputação). É uma questão de tempo. Nada mais pessimista.
3.4. Esperança Existencialista
Se a eternidade é cíclica e o mal e o bem sempre existirão, o que fazer, então? Batman prefere a fé (esperança) na mentira do que a verdade que não produz esperança. Segue seu último diálogo no filme logo após a morte do símbolo de esperança – o promotor Harvey Dent denominado “Cavaleiro Brilhante”: 
– As pessoas vão perder a esperança (Comissário Gordon).
– Não vão não. Eles nunca vão saber o que ele fez (Batman).
– Cinco mortos. Dois policiais. Não se pode varrer isso (Gordon).
– Não. O Coringa não pode vencer. Gotham precisa de um herói de verdade (Batman).
– Não. (Gordon)
– Ou você morre herói ou vive o bastante para ver você mesmo se tornar vilão. Eu posso ser as duas coisas. Porque não sou herói. Não como Harvey. Eu matei aquelas pessoas. É o que sou (Batman).
– Você não é (Gordon).
– Eu sou o que Gotham precisar […] Às vezes a verdade não basta. As pessoas merecem mais. Às vezes as pessoas merecem ter sua fé recompensada. (Batman).13

Destaque para sua última declaração. Para Batman, a dura realidade de uma vida sem esperança pode ser substituída pela mentira (aqui no caso não é o mesmo que omissão). Para o Cavaleiro das Trevas, a recompensa para fé é a realização da mesma, mesmo que seja um embuste. O que não se pode é parar de esperar. A mentira é um mal menor diante da falta de esperança. Nesse mundo de injustiças o povo precisa acreditar. É isso que move as pessoas.
4. MOMENTOS DE VERDADE

4.1 Os Limites da Justiça Humana
Em Eclesiastes 3:1-15 nos assegura que Deus tem um plano grandioso que abarca todos os homens e suas ações em todo o tempo. O homem não decide o seu nascimento e uma vez vivo descobre que pode morrer e ele não decidiu isso. O mesmo acontece com os vegetais. É Deus quem controla todas as coisas. Nesse mesmo contexto o autor nos revela que Deus colocou a eternidade no nosso coração sem dá condições de resposta sobre o princípio e o fim. Precisamos de Deus, precisamos de Sua revelação sobre a vida, os valores, o certo, o errado e o bem. Em 3:16-4:16 o autor apresenta algumas anomalias e aparente contradições que podem ser implicadas do que acabou de assegurar: o controle de Deus. O verso 11 diz que Deus fez tudo “formoso”. Mas, o verso 16 diz: “Vi ainda debaixo do sol que no lugar do juízo reinava a maldade e no lugar da justiça, maldade ainda”.
O Pregador observa que aonde deveria ter justiça encontramos maldade. Diante desse quadro aonde lançar nossas esperanças? O texto responde: “Então, disse comigo: Deus julgará o justo e o perverso; pois há tempo para todo propósito e para toda obra” (3.17). Em outras palavras, não justiça plena enquanto o homem for seu único agente.
O filme revela as limitações que a lei (queda) impõe na aplicação da justiça “maior” (criação). Não dá para fazer o certo estando “preso” à lei. Por duas razões: as limitações da própria lei bem como as limitações dos que a aplicam (queda). Usando a terminologia do filme, é preciso fazer a justiça “nas trevas”.
A constatação de que não se alcança verdadeira justiça pela força do homem é correta (queda). Não são poucos os que procuram justiça nos meios convencionais e experimentam frustração. Esperar pela justiça “dos homens” é esperar demais. O grande diferencial se dá em como devemos reagir diante de tal constatação (redenção). Aqui os cristãos se separam tanto do Coringa quanto do Batman. Os cristãos confiam em Deus. Romanos 12.19 é claro: “…não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira; porque está escrito: A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor”. Além disso, o reconhecimento das limitações das leis não nos impelem a aceitar tudo da lei.
O herói das trevas, como nos mitos antigos, não deixa de ser (ou querer ser) um deus que resolve tudo com suas próprias mãos (queda). Como cristãos, ficamos com a constatação, porém mudamos na reação. Lutamos reconhecendo nossas limitações esperando que no final a justiça plena venha por meio de Deus (redenção).
4.2. Tendência ao mal
Antes de adentrar ao assunto, faz-se necessário descrever uma cena crucial: O Coringa coloca explosivos em duas barcas. Em uma delas estão “civis inocentes” (terminologia do filme), em outra, somente presos (condenados por roubo, morte etc.). O detonador dos explosivos da balsa dos presos ficou no poder dos cidadãos comuns enquanto o detonador dos explosivos da balsa dos “inocentes” ficou com os prisioneiros. O Coringa orienta ambas as balsas de que às 00:00h ele vai explodir ambas caso uma delas não esteja já destruída. Ou seja, o barco que destruir o outro, estará livre. A hora chega e nenhum barco destrói o outro. Diante desse quadro Batman diz ao Coringa: “O que você quer provar? Que lá no fundo todos são podres [ugly] como você? Só você é podre […] “Essa cidade acabou de mostrar que está cheia de pessoas que só acreditam no bem”14.
O fato é que o Coringa nesse ponto está certo. A maioria do barco dos “civis inocentes” decide por explodir o outro barco. E no barco dos presidiários, um grupo decide matar o responsável pelo barco para explodir o outro. Ambos os barcos querem explodir o outro, mas, ou não têm coragem (o barco dos “inocentes”) ou falta oportunidade (o barco dos condenados). Não faltou vontade (desejo), faltou coragem e oportunidade.
Em resposta ao Batman, o Coringa afirma que o espírito da cidade não se corrompeu completamente ainda, mas quando souberem dos atos “heroicos” do promotor (assassinou cinco pessoas) as cadeias vão ficar cheias. Ele (Coringa) colocou Harvey Dent no mesmo nível dele e do Batman. Ele agora fazia parte do grupo dos fora da lei. Segundo o Coringa, isso não foi difícil.
Batman no fundo acredita no Coringa, por isso escolhe mentir sobre o Harvey assumindo seus crimes. Ele sabe que, no fundo, o povo vai se rebelar ao saber que o promotor, a esperança de Gotham, é um assassino. Essa é a tendência da humanidade. Nas palavras do Coringa: “A loucura é como a gravidade, basta um empurrãozinho”. Se o sistema permitir, afirma o piadista, “as pessoas civilizadas comerão umas as outras”.
5. Respostas Bíblicas para Algumas Questões

5.1. O Sistema e o Indivíduo
No filme a população ou a “massa” muda de acordo com as condições. Apoia o Batman, no entanto, logo após o Coringa começar a matar pessoas ameaçando não parar até a revelação do mascarado, todos queriam a revelação de sua identidade; o que significava o fim de sua vida de herói e o começo de uma vida de prisioneiro.
Segundo o Coringa: “Loucura é como a gravidade, basta um empurrãozinho”. O Coringa defende a ideia de uma influência determinante do sistema nos indivíduos. Para ele, se colocarmos (e isso inclui o sistema) as pessoas em situações de tensão que elas revelarão quem realmente são – loucas e sem moral. Isso fica claro quando afirma que “as pessoas são tão boas quanto o mundo (sistema) permite”. O próprio Batman acredita nisso, quando no final do filme entendeu que a mentira sobre uma instituição (promotoria pública) era o melhor para o povo.
A perspectiva Teo-referente, por outro lado, assegura que nossa cosmovisão é o produto do nosso coração pecaminoso e apóstata somado às estruturas psíquico-sociais e histórico-culturais (e.g., educação [formal, e principalmente familiar nos primeiros anos de vida], cultura regional, relacionamentos, meios de comunicação). O relacionamento dessas duas nuanças (interna e externa) da construção da cosmovisão humana deve ser entendido como camadas sobrepostas. O coração (substrato interno da existência humana) é a matriz primordial seguida das camadas supracitadas.
Pressupondo uma antropologia bíblica, o homem, devido ao pecado, consequentemente, não interpreta a vida de forma neutra ou vazia como se fosse, nas palavras do empirista inglês John Lock, uma tabula rasa. Pelo contrário, o coração humano é religioso por natureza e após a queda esse coração continua sendo para-Deus, porém em rebelião.
As Escrituras nos revelam que essa esfera ou dimensão que chamamos de “coração” é a mais profunda do nosso ser (self), e por isso, inacessível a toda forma de análise ou procedimento de sondagem empírica (cf. Sl. 139.23, 24; Jr. 17.10). O acesso só se dá pela Palavra através do Espírito (1Co 2.13-15; Hb 4.12). A mudança radical de uma cosmovisão, portanto, é o que a Escritura chama de “regeneração” (Jo 3.3,4; Tt 3.5).
Em síntese, o sistema tem seu papel na formação das cosmovisões, porém não é determinante. Caso aceitássemos tal postulado eliminaríamos a culpa do indivíduo. “A idolatria [no sentido de pecado] é um problema profundamente enraizado no coração e poderosamente impingido sobre nós pelo ambiente social”15. A complexidade do ser humano não permite que façamos declarações como as que o Coringa fez. Nossa tendência, sim, é para o mal. Mas como ele se revelará é outra história. O mal não tem só uma cara (Cl 2.23; 2Co 5.12; 2Co 11.14).
5.2. O bem e o mal
Muitas são as propostas que têm se levantado diante da problemática do bem e o mal – sua existência, origem, relação com Deus e entre si. Alguns têm diminuído o poder de Deus (teísmo aberto); outros versam que o mal não passa de uma ilusão (Budismo), o que gera outro problema: a ilusão do mal. Outros adotam a visão do Coringa. Entendem o bem e mal como entidades de dependência ontológica. O filme (através do Coringa) assegura que o bem como uma resposta ao mal, enquanto o mal só existe porque há o bem para combatê-lo. Coringa diz para Batman: “Eu te matar? Eu não quero te matar, você mecompleta...”16
Para os reformadores o mal é definido como privatio actuosa. O ponto aqui é que o mal não pode existir em si e de si mesmo. Ele depende da corrupção do bem. A relação de dependência seria equivalente à do ferro e a ferrugem. O primeiro não depende do segundo para existir, mas o contrário é fato.
A incoerência de Coringa é facilmente refutada. Se o bem depende do mal, o mal passa a ser um bem encoberto. “Mas o mal do qual Deus extrai o bem é um mal verdadeiro. Da traição cometida por Judas contra Jesus vem o ato redentor da cruz, mas isso de forma alguma minimiza a perversidade do ato de Judas”.17 Nessa concepção, para experimentar bem, o próprio Deus deveria experimentar o mal.
_____
 1cf.http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2008/08/10/_batman__cavaleiro_das_trevas_lidera_bilheteria_nos_eua_pela_quarta_semana-547664910.asp Acesso em: 09 de setembro de 2009, 09:28:21. Último segundo IG disse: O novo filme do Batman, “O Cavaleiro das Trevas”, bateu todos os recordes de bilheteria nas sessões do final de semana nos cinemas dos Estados Unidos. A estréia deixou bem atrás a marca sem precedentes conseguida por “O Homem Aranha”. cf.http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/2008/07/21/santo_blockbuster_batman_o_cavaleiro_das_trevas_arrasa_nas_bilheterias_1459434.html. Acesso em: 09 de setembro de 2009, 09:35:19.
 2 cf. Alguns comentário em www.cineplayers.com/filme.php?id=1251. Acesso em 16 se setembro de 2009; 10:29:13. Segundo Diego Sapia Maia, "O problema é que Batman & Robin não deixa espaço para interpretações, investindo em bobagens e clichês" (cf. www.cinepop.com.br/criticas/batman4.htm Acesso em 16 de setembro de 2009, 10:33:41). Leonard Maltin disse que "a história frequentemente não fazia sentido" e que "a ação e os efeitos são altos, enormes e entorpecentes" (cf. http://pt.shvoong.com/books/1694892-batman-robin/ Acesso 16 de setembro de 2009, 10:37:51). Leandro Gantois diz que "Quem poderia imaginar que depois de tantos anos de carreira o diretor Joel Schumacher iria fazer a maior besteira de sua vida, tantos sucessos e obras inteligentes no passado não foram suficientes para encobrir a porcaria feita neste quarto filme da série baseada no Homem-Morcego, o Batman" (cf. www.cinemaemcena.com.br/Critica_Detalhe.aspx?id_critica=2218&id_tipo_critica=1 Acesso: 16 de setembro de 2009; 10:42:11).
3 Outro nome para Batman3 Outro nome para Batman
4 cf. Crítica do New York Times:http://movies.nytimes.com/2008/07/18/movies/18knig.html?scp=2&sq=
July%2018%202008&st=cse. Acesso em: 22 de setembro de 2009; 09:22:41.
5http://www.cinemacomrapadura.com.br/criticas/1191/batman__o_cavaleiro_das_trevas_(the_dark_knight_batman_begins_2_2008) Acesso em: 10 de setembro de 2009, 11:17:10 [itálico nosso].
6http://www.cinemacomrapadura.com.br/criticas/1197/batman__o_cavaleiro_das_trevas_(the_dark_knight__batman_begins_2_2008) Acesso em: 10 de setembro de 2009, 11:20:45.
7 cf. http://veja.abril.com.br/videos/cinema/batman-cavaleiro-trevas-393880.shtml acesso: 17 de setembro de 2009; 09:01:12.
8 cf. site oficial: http://wwws.br.warnerbros.com/thedarkknight/ acesso: 17 de setembro de 2009; 09:30.
9 HOWARD, Jason J. Noites Escuras e o chamada da Consciência. em IRWIN, William (coord.). Batman e a Filosofia – o cavaleiro das trevas da alma. São Paulo: 2008, p.182.
10 Segue uma definição de homem autêntico: Honesto para consigo mesmo sobre o que está ou não sob nosso controle, leva à sério inevitabilidade da morte bem como assume a responsabilidade total pela direção de sua vida e deixa claro o propósito e o significado daquilo que faz. Aqui vale lembrar as palavras de Chesterton: “É mais verdadeiro dizer que um homem que confia em si mesmo certamente fracassará” (CHESTERTON, G. K. Orthodoxy, Massachusetts: Hendrickson, 2006, p.10).
11 A figura mais influente da ética deontológica é grande filósofo Immanuel Kant. Segundo Jensen: “A contínua recusa de Batman em matar, enquanto prossegue em sua missão, ainda que seja o Coringa, é um exemplo perfeito do compromisso dele com uma razão moral deontológica” (JENSEN, Randall M. A Promessa de Batman. Em IRWIN, William (coord.) op. cit., p. 85).
12 Em um dos diálogos com Batman, Coringa declara “Você é mesmo incorruptível”. E continua: “Você não vai me matar por algum senso equivocado de falso moralismo”.
13 BATMAN cavaleiro das trevas. Direção: Christopher Nolan. Produção: Emma Thomas, Charles Roven, Christopher Nolan, Los Angeles: Warner Bros. Entertainment, 2008, DVD 1 (152 min).
14 BATMAN cavaleiro das trevas. Direção: Christopher Nolan. Produção: Emma Thomas, Charles Roven, Christopher Nolan, Los Angeles: Warner Bros. Entertainment, 2008, DVD 1 (152 min).
15 POWLINSON, David. Ídolos do Coração e Feira das Vaidades: vida cristã, motivação individual e condicionamento sociológico. Brasília: Editora refúgio, 1996, p. 33.
16 A versão portuguesa diz: “eu preciso de você”.
17 SPROUL, R. C. Razão para Crer. São Paulo: Mundo Cristão, 1997, p.85.

Rômulo A. T. Monteiro


Intercâmbio feito por Rodrigo Ribeiro
@rodrigolgd

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