terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Eu Vos Escrevo, Jovens Rapazes

 “Dois terços dos missionários ativos são casais casados. Outro terço são mulheres solteiras. O resto são homens solteiros.”

Isso não é exatamente uma estatística, propriamente dita. É um sentimento, e algumas vezes uma brincadeira feita por líderes de agências missionárias, e mais recentemente, por um monte de solteiros de vinte e poucos anos em minha sala de estar. É um sentimento que revela uma verdade impressionante sobre o trabalho missionário hoje em dia: há muito poucos homens solteiros escolhendo ir.

A verdadeira estatística é essa: para AIM¹ e outras organizações similares, algo aproximadamente entre 80 e 85 por cento de todos os missionários solteiros são mulheres. Para cada 10 solteiros enviados, apenas 2 são homens. A disparidade é grande o suficiente a ponto de haver uma enorme lacuna em muitos campos missionários. Está faltando homens, e por isso um grupo de mulheres tem assumido o trabalho. Às vezes fazendo trabalhos em que a presença masculina seria mais recomendada.

Por que existe tão grande diferença entre homens e mulheres que escolhem fazer missões em seus anos de solteiros? E por que isso importa?

Estatísticas e dados demográficos são uma forma humana de mensurar algo. Talvez Deus esteja simplesmente dirigindo mais mulheres às missões do que homens – é como se Ele chamasse mais pessoas de Michigan do que de Nova Yorque (ou Ele chama mesmo?). Mas talvez haja algo por trás dessa tendência. Talvez haja algo diferente que nossas igrejas e agências missionárias possam fazer. E talvez haja alguns homens que precisem seres despertados e chamados.

A maioria dos solteiros se envolvendo com missões hoje em dia são muito novos, parte da geração conhecida como os “mileniaristas”. Eu não sou jovem, nem solteiro. Então, a fim de compreender melhor a questão, convidei à minha casa meia dúzia desses jovens com a promessa de uma refeição caseira e uma noite animada, possivelmente com uma conversa inquietante. O grupo consistia em três homens solteiros e três mulheres solteiras, cujas idades variavam de 22 a 30 anos. Todos missionários efetivos na África.

Muito tem sido dito acerca dessa geração e não sou o primeiro a refletir se algo está indo errado. Há uma vasta quantidade de escritos e até mesmo pregações lamentando a diminuição da participação de homens na sociedade moderna e na igreja. Mark Driscroll, pastor titular da Igreja Mars Hill em Seattle pontua isso abruptamente (como ele geralmente faz): “A pessoa menos provável de se ver na igreja é um jovem rapaz solteiro de vinte e poucos anos”. Por coincidência (ou seria por consequência?) essa é também a pessoal menos provável de se ver no campo missionário.

Uma Tendência Cultural

Distraído, cheio de si, sem motivação, apático. Se você fosse procurar adjetivos que descrevam a geração mileniarista, esses são algumas das descrições comuns que surgiriam. Eu coloquei isso, timidamente, em nosso grupo de discussão e perguntei se eles concordavam. Fiquei surpreso ao ouvir um alto “sim”.

Cada vez mais conectados, os mileniaristas tem o mundo ao alcance dos seus dedos, entretenimento em toda esquina e expectativas de que as coisas deveriam ser mais simples- tão simples quanto um click. Apesar dessa massiva conexão virtual, eles estão crescendo cada mais entediados, desconectados e apáticos. Os homens em particular estendem os seus desejos de adolescência, e tanto homens quanto mulheres atrasam o casamento. Eles trocam de empregos frequentemente, vão à igreja com menos fervor; contudo, “postam” de forma prolífica acerca do que está errado com o mundo.

Driscroll percebe isso na igreja da seguinte forma: “O pecado notório dos garotos cristãos hoje em dia é se preocupar mais acerca das coisas do que tentar fazer algo.”

Benjamin Brophy, em um artigo intitulado “My Generation’s Disease” (A Doença da Minha Geração), colocou a questão da seguinte forma: “Mileniaristas querem mudar o mundo, mas eles sentam e esperam que a oportunidade de mudar o mundo seja dada a eles. O clichê é: queremos salvar o mundo, mas queremos fazer isso por trás da tela de um computador”.

Nosso grupo em foco utilizou a recente campanha “Kony 2012” como uma ilustração. O vídeo documentário expondo o chefe de guerra Joseph Kony e as atrocidades que ele cometeu na África Central se tornou um viral massivo em 2012 – largamente devido ao ultraje moral dos mileniaristas.

 “Então muitos foram despertados” nosso grupo disse, “mas tudo o que eles fizeram foi compartilhar o vídeo. Eles não tinha ideia de que isso estava acontecendo por anos, e agora, ninguém fala mais sobre ele.”
 “Essa não é uma mudança duradoura”, uma das jovens mulheres acrescentou, “Isso apenas faz você se sentir melhor”.

Eu perguntei ao grupo se o mundo poderia realmente ser mudado com um click. Sim, eles disseram, como mileniaristas, tem testemunhado essas coisas em primeira mão durante o período de vida deles. Então eu os perguntei se discípulos poderiam ser feitos com um click.

 “Leva tempo para construir relacionamentos, estar na vida das pessoas, e entender uma cultura é muito mais difícil do que clicar um botão”, uma mulher argumentou. “Eu não conheço muitos jovens que estejam dispostos a se meterem em situações como essa. Isso é realmente muito difícil. Discipulado requer relacionamentos reais, compromisso e sacrifício.”

Isso poderia ser parte do que está afetando a participação dos mileniaristas em missões, e se for, isso é um fator maior para homens? Os homens são mais apáticos do que as mulheres? Até mesmo para tentar responder isso, nós teríamos primeiro que definir o que é masculinidade, ou de preferência, como ela é percebida.

A questão dos papéis de gênero tem mudado para essa geração e o nosso grupo tinha muito a dizer acerca dos efeitos em seus colegas de idade no que diz respeito ao que a cultura e a mídia ensinam sobre masculinidade.

Há 50 anos atrás, as mulheres no Ocidente fizeram grandes ganhos. Hoje, mais mulheres do que homens conseguem se formar na faculdade, com notas melhores e mais confiança do que os homens de suas classes. Elas são mais suscetíveis do que os homens a irem para faculdade e muitas ganham salários mais altos do que eles no mercado de trabalho. As mulheres estão sendo ditas que podem conquistar qualquer coisa e muitas tem perseguido essa promessa. Os homens, por outro lado, estão sendo ditos o contrário.

À medida que as mulheres tem ganho mais igualdade, os homens tem sido desvalorizados. Definido como a “efemização da cultura”, nós estamos vivendo em meio a uma mudança cultural em que os homens são vistos cada vez mais como menos importantes no esquema das coisas. A mídia toma essa percepção e a codifica. Assim, uma geração ensinada em massa através da mídia cresce acreditando nisso.

Como Owen Strachan escreveu no blog do The Gospel Coalition, “Os homens hoje estão em apuros. Os garotos tem sido ensinados por incontáveis fontes e mídias que eles são inerentemente mais débeis, tolos e inferiores às mulheres. Os garotos se envolvem com meninas, fogem de suas responsabilidades, não levam as coisas sérias a sério e geralmente negligenciam as grandes oportunidades que lhes são postas.”

É possível que esses homens mileniaristas estejam simplesmente fazendo jus às baixas expectativas que a cultura lhes tem imposto?

O nosso grupo de discussão foi rápido em culpar os lares sem pais. Antes uma anomalia, pais ausentes – como resultado de divórcio, negligência ou até mesmo trabalho demais – são hoje uma epidemia. Como resultado, inúmeras crianças crescem sem um modelo balanceado ou instrução acerca dos papéis de gênero. Os garotos aprendem sobre masculinidade com a mídia ou seus colegas, mas não dos seus pais.

Driscroll diz que isso leva a um certo tipo de “adolescência estendida”, na qual garotos continuam agindo como tais ao longo dos seus vinte anos. “Em uma cultura de consumo, masculinidade termina sendo definida pelo que você consome, não pelo que você produz. Os homens se tornam consumidores auto absorvidos de aparelhos eletrônicos, jogos e mulheres. O que mata os jovens rapazes é o pensamento de que a adolescência estendida é aceitável e inevitável.”

Inevitável. Essa é uma palavra curiosa. Será que os homens mileniaristas são vítimas involuntárias da tendência cultural contrária a eles? Eles estão sobrecarregados com uma angústia geracional, perda de modelos e a morte da masculinidade. Mas e a Igreja? Ela não está se posicionando em meio à lacuna, como uma força contra cultural?

Um Evangelho Tímido

Em um artigo da Revista Biola intitulado “The Feminization of the Church” (A Feminização da Igreja) nós aprendemos que as coisas não foram como a contracultura que você esperaria.

Pollster George Barna se refere às mulheres como “a coluna vertebral das congregações cristãs na América.” Majoritariamente 60% da igreja é constituída por mulheres, e os homens que a frequenta são menos ativos – menos prováveis de participar da escola dominical, pequenos grupos e cultos. Como resultado, a mensagem e os ministérios da igreja tendem a serem dirigidos às mulheres.

Os homens em nosso grupo concordaram, “A espiritualidade está ligada a sentimentos e emoções. Os garotos são distanciados por isso. Essas coisas não são vistas como viris e se um garoto não está na igreja, muito menos estará envolvido com missões.”

Mike Erre, um director de ministério para homens em uma grande igreja da Califórnia, argumenta que a mensagem da igreja não está mais ressoando aos homens. “O Evangelho que Jesus e Paulo pregou é revolucionário e é digno de darmos nossas vidas por ele. Mas parte das razões pelas quais os garotos não estão envolvidos é porque temos vendido um Evangelho tímido. Nós não o pintamos como grande o suficiente – ou Deus como maravilhoso o suficiente – a ponto de ser constrangedor.”

A feminização da igreja reflete a feminização da cultura maior e eu reflito até que ponto isso influencia em missões. Certamente a Grande Comissão é muito constrangedora, ousada e até mesmo revolucionária. Mas se a Igreja não apresenta a vida cristã em uma perspectiva balanceada – afirmando as forças de tanto homens quanto de mulheres – então como eles apresentarão um chamado a missões?

E quanto às agências de missões? Uma das mulheres em nosso grupo serve como a coordenadora de novos missionários em uma organização parceira da AIM. Ele argumenta que os homens não tem ideia das oportunidades diante deles, “Setenta por cento das nossas vagas são preenchidas por mulheres”, ela disse, “porque elas focam em mulheres, crianças, educação, enfermagem... a percepção em massa é que o que está disponível é para ser feito é relacionado a carinho.”

Embora muito do trabalho missionário seja carinho, como temos vistos, discipulado requer relacionamentos e até mesmo relacionamentos requerem carinho. Mas esses mesmos relacionamentos requerem um certo nível de risco, ousadia, e o mais importante, um cenário em comum sobre o qual será erguido. É difícil, senão impossível, para jovens mulheres ministrarem a homens em muitos contextos transculturais. Para incontáveis homens na África que precisam ouvir a Palavra e aprenderem a ser seguidores de Cristo, apenas outro homem pode lhes mostrar o caminho.

Há provavelmente centenas de buscas masculinas que podem oferecer acesso a esses tipos de oportunidades de discipulado. Os jovens rapazes vagando pelos bancos da Igreja do Ocidente já ouviram alguma vez falar sobre isso? Quanto deles já visitaram o site de alguma agência missionária?

Uma Estrada Difícil

Apesar da pressão negativa da cultura e a morna inspiração da Igreja, homens solteiros podem também estar em desvantagem ao realmente irem ao campo e possivelmente florescer enquanto estiverem lá.

Expectativas culturais desempenham um papel. Um dos homens em nosso grupo resumiu isso como uma simples questão de “dinheiro e orgulho”. Os homens carregam um fardo maior do que o das mulheres de serem provedores e membros autoconfiantes da sociedade. Contudo, ao seguirem o chamado para missões, eles são levados a abraçar uma vida de dependência e até mesmo a probabilidade do que alguns poderiam considerar “carreira suicida”; tudo por fazer um trabalho que muitos em casa poderiam não entender. Esse afastamento das expectativas culturais irá sem dúvidas desafias o orgulho de um homem e poderia também ser percebida como um risco colossal.

Relacionado ao orgulho está o medo de falhar, na vida ou ministério ou em ambos. Alguns tem sugerido que as mulheres solteiras são naturalmente melhor equipadas para lidar com as generalidades da vida no campo. O trabalho missionário tende a ser relacional e sem estrutura. É cheio de ambiguidades em que um rapaz poderia preferir um plano de ação e isso não os leva a soluções fáceis como fazer uma ida a Home Depot². Além disso, há a questão da pureza sexual, indiscutivelmente mais difícil para homens solteiros do que para mulheres.

Pode ser verdade que missões requer mais dos homens, mas como o Driscroll martela para fora do seu púlpito em um sermão sobre masculinidade bíblica, “Verdadeiros homens não estão procurando o caminho de menor resistência, mas o caminho de maior glória para Deus”.

Um Chamado à Ação

Enquanto muitos homens estão evitando o caminho quando ele requer uma volta inesperada em direção ao trabalho missionário, as mulheres estão muito mais prontas para seguir em frente. Elas também são rápidas em perceber que isso não é uma boa coisa. Não é bom para o desequilíbrio das necessidades ministeriais no campo. Não é bom para as muitas mulheres que servem solteiras durante toda vida, escolhendo um chamado ministerial ao invés de uma família devido à falta de homens que compartilhem a mesma visão que elas. Também não é bom para os homens a quem Deus tem chamado, que um dia poderão olhar atrás e perceberem ressentidos que perderam a maior oportunidade de suas vidas.

Igrejas e agências missionárias podem estar em falta com isso, e nós temos que reconsiderar a visão da qual estamos lançando mão (ou falhando em fazer) de jovens rapazes em nosso meio pela Grande Comissão. Há custo e perigo em seguir a Cristo e homens são trabalhados por Deus a responderem a tais coisas.

Eu sou lembrado da gentil, porém sóbria exortação na epístola de Primeira João que expõe o conflito do cristão com o mundo, a carne e o diabo. “Eu vos escrevo,” o autor desafia, “... pais, filhos, jovens rapazes.”³

Nós poderíamos facilmente carregar mais essa cobrança – a todos os envolvidos no movimento missionário moderno:

Eu vos escrevo, Igreja, porque você sustém uma mensagem revolucionário e só precisa expô-la.

Eu vos escrevo, agências missionárias, porque vocês conhecem a paisagem e precisam traçar um caminho.

E eu vos escrevo, jovens rapazes, porque nós precisamos de você.

Sim, isso pode ser mais difícil para você. Difícil de abandonar as mentiras e a apatia. Difícil de prover um sustento e ser autoconfiante na sociedade. Difícil de entrar em relações dirigidas de forma transcultural. Difícil de encontrar o seu ministério em sua vocação. Mas o Evangelho precisa de homens. A vida cristã pode ser uma batalha, tanto que a Bíblia nos manda vestirmos uma armadura. O campo missionário é um campo de batalha, onde as forças e paixões de um homem são chamadas para serem gastas pela maior causa que a criação já conheceu: a causa de Cristo e a sua obra redentora para salvar este mundo. Isso requer coragem – coragem para sair da sonolência e entrar na briga. Isso requer humildade – para estar disposto a falhar ou pelo menos ser considerado um fracasso pelos seus colegas. Por fim, isso requer coragem – mais do que você tem, mas não mais do que a que Deus lhe dará.

“Jovens, eu vos escrevi, porque sois fortes, e a palavra de Deus permanece em vós, e tendes vencido o Maligno.” (1 Jo 2.14)

1.    1   AIM é uma agência missionária americana que atua na África

2.   2    Home Depot é uma loja de departamentos americana


3.   3    Em todas as traduções da Bíblia para o inglês o termo “jovem” em 1 João 2 é “Young Man”, que pode ser traduzido como “jovem rapaz”, especificando que os destinatários não eram jovens em geral, mas jovens homens.

Mike Delorenzo

Texto traduzido por: Igor Sabino

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