quinta-feira, 17 de abril de 2014

Em Defesa da Fé

Texto: Jd. 1: 1-4: “1Judas, servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago, aos chamados, amados em Deus Pai e guardados em Jesus Cristo, 2a misericórdia, a paz e o amor vos sejam multiplicados. 3Amados, quando empregava toda a diligência em escrever-vos acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos. 4Pois certos indivíduos se introduziram com dissimulação, os quais, desde muito, foram antecipadamente pronunciados para esta condenação, homens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo.

Introdução
Judas tinha originalmente planejado escrever uma carta celebrando as grandes verdades da "comum salvação" que ele compartilhava com seus leitores (v. 3). Mas a notícia alarmante de que falsos mestres tinham invadido as congregações, ameaçando a ortodoxia (v. 4), o obrigou a mudar seus planos. Assim, ele escreveu denunciando os falsos mestres e seu estilo de vida sem Deus, advertindo seus leitores e chamando-os para "batalhar pela fé", de modo a proteger a verdade do evangelho (v. 3). O Novo Testamento repetidamente nos adverte do perigo que os falsos mestres apóstatas representam para a igreja. Tanto Jesus (Mt 7:15) como Paulo (At. 20:29) comparou estas pessoas com lobos ferozes. "Muitos falsos profetas surgirão", advertiu Jesus, e “enganarão a muitos" (Mt 24:11). Paulo advertiu a Timóteo: "Mas o Espírito expressamente diz que nos últimos tempos, alguns abandonaram a fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios" (1 Tm. 4:1). Pedro e João também alertaram para esses pretendentes espirituais (2Pe. 2, 3; 1Jo. 4:1-3; 2Jo. 7), assim como Judas relata em sua breve epistola de um capitulo. Judas condena com muito vigor – como deveríamos fazer hoje – os falsos mestres que estavam infiltrados na igreja em sua época, e, por consequência, todos os que ainda estavam por vir.  Em nossa cultura pós-moderna, em que a verdade é considerada relativa e a tolerância é valorizada acima de tudo, o apelo de Judas para a pureza doutrinária é urgente e inegociável. Como observa Thomas R. Schreiner:  “A mensagem de Judas fala sobre julgamento e é especialmente relevante para as pessoas de hoje, para as nossas igrejas que são propensas ao sentimentalismo, que sofrem de colapso moral, e muitas vezes deixam de pronunciar uma palavra definitiva do julgamento por causa de uma definição inadequada de amor.” Sem dúvida, a maior ameaça para a igreja sempre foi e sempre será o falso ensino, um outro “evangelho”. A sutileza desse falso ensino torna-se uma espécie de veneno espiritual que causa grandes danos e produzem muitas vitimas espirituais e as consequências são eternas.  Em sua exortação aos presbíteros de Éfeso, o apóstolo Paulo ecoou a admoestação do Senhor: “Eu sei que, depois da minha partida, lobos vorazes, penetrarão no meio de vocês e não pouparão o rebanho. E dentre vocês mesmos se levantarão homens que torcerão a verdade, a fim de atrair os discípulos.” (At. 20:29–31). O resto das advertências que se encontra no Novo Testamento contém registros semelhantes, instruindo os crentes a se protegerem contra a natureza enganosa do falso ensino (Mt 24:10-14; 2 Ts. 2: 3-12; 1Tm. 4:1 -3; 2Tm. 3:1-9, 2 Pe. 2:1; 3:7; 1 Jo. 2:18-19; 4:1-3; 2Jo. 7-10; Tg. 5:1-6).

A mensagem desta epístola nos fala do comprometimento e da defesa da "fé que uma vez por todas foi entregue aos santos" (v. 3). A batalha aqui é pela pureza do evangelho, é o resgate da verdadeira ortodoxia.

Primeiro precisamos entender como Judas agiu em defesa da verdadeira ortodoxia nos seus dias. A preocupação de Judas aqui é sincera e pastoral por seus leitores. Essa preocupação longe de ser um sentimentalismo raso, nasceu da convicção profunda e crucial de defender a verdade de Deus. É bem verdade que a exortação não era a intenção inicial de Judas. Ele escreveria acerca da “salvação comum” que ele compartilhava com seus leitores. A exortação foi motivada por uma obrigação diante dos fatos que estavam trazendo prejuízo para o desenvolvimento da igreja naquela época. Vejam a exortação: “Exorto-vos a batalhardes diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos”.

Batalhar diligentemente significa defender a verdade sempre e vigorosamente. É justamente aquilo que Paulo fala a Timóteo: “Este é o dever de que te encarrego, ó filho Timóteo, segundo as profecias de que antecipadamente foste objeto: combate, firmado nelas, o bom combate” (1Tm. 1: 18). A fé aqui é a própria ortodoxia cristã que estava sob ataque e precisava ser defendida.  A doutrina dos apóstolos, o bom deposito sagrado da verdade cristã estava sob ataque e os inimigos já procuravam solapar as grandes doutrinas fundamentais, a verdade objetiva de Deus (isto é, tudo o que pertence a nossa comum salvação). Semelhantemente Paulo admoestou Timóteo para proteger a fé (2Tm 1:13-14): “Mantém o padrão das sãs palavras que de mim ouviste com fé e com o amor que está em Cristo Jesus. Guarda o bom depósito, mediante o Espírito Santo que habita em nós. Paulo também disse aos Gálatas (Gl. 1:9): “Assim, como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema. O apóstolo João semelhantemente escreveu: “Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai como o Filho. Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas. Porquanto aquele que lhe dá boas-vindas faz-se cúmplice das suas obras más. (2Jo. 1: 9-11).

A exortação de Judas tinha um grupo especifico: os falsos mestres – v. 4a –“Pois certos indivíduos se introduziram com dissimulação”. A presença dos falsos mestres já era evidente nos dias de Judas,  não era meramente hipotético, já estavam presentes na igreja. A palavra traduzida aqui por introduziram com dissimulação (pareisduō) aparece somente uma vez no Novo Testamento. Ela tem a conotação de escorregar em secreto com uma má intenção. No grego clássico significa a astúcia de um advogado que, através da argumentação inteligente, infiltra-se nas mentes dos funcionários nos tribunais e corrompem o seu pensamento. Eles se infiltram na igreja clandestinamente com o objetivo de propagar o engano. Essa infiltração mina a comunhão, a adoração, o evangelismo.

A igreja sucumbe aos erros tanto na doutrina (ortodoxia) como na pratica (ortopraxia). Na igreja de hoje, tal infiltração tem permeado muitos setores e assumido muitas formas. Os falsos mestres escrevem livros, falam no rádio, na televisão, ensinam em seminários (liberais), pregam nos púlpitos (falsos apóstolos), e têm sites na Internet. Eles se disfarçam como mensageiros da verdade (2Co. 11: 14), mas são ambiciosos que se preocupam com seu próprio ventre e o enriquecimento é seu alvo principal. Judas nos dá um retrato desses falsos mestres. Seu caráter – “homens ímpios” – Não temiam a Deus; eram desprovidos de qualquer tipo de reverencia a Deus; não adoravam a Deus corretamente. Sua conduta – “transforma em libertinagem a graça de nosso Deus” - Distorciam a liberdade em licenciosidade e transformam-na em permissão para pecar.

Esses falsos mestres se entregavam a luxuria, aos seus desejos carnais e se desculpavam dizendo que o que acontecia na carne não afetaria o espiritual. Era justamente esse ensino herético que Paulo combate em Romanos, o antinomianismo. “Pequem porque a graça ficara mais evidente”. Paulo diz: “Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante? De modo nenhum! Esse ensino pervertia a graça do nosso Deus. A graça de Deus se manifestou com um propósito muito diferente, ou seja, “educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente (Tt. 2: 12)". Qualquer insinuação de que a graça dá aos cristãos a liberdade para atuar de forma carnal é heresia. Suas crenças – “negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo”. Eles negavam o governo absoluto e justo do Senhor Jesus. Eles negavam sua divindade. Eles negavam sua morte vicária e ressurreição. Eles negavam todas as doutrinas essências acerca de sua Pessoa e obra. Eles se opunham de forma dogmática e ferrenha ao evangelho, ao valor do sangue precioso de Cristo e ao fato de Ele ser o único caminho para salvação, como está descrito nas Escrituras. 

Judas diz que haverá uma sentença para os falsos mestres. Serão punidos como foram os falsos mestres de Israel (v. 5) , os anjos que não guardaram seu principado (v. 6), os gentios (v. 7). O pretérito perfeito sugere que a uma longa condenação pronunciada por Deus há todos os apóstatas.  Observem os versos 14-15: “Para estes também profetizou Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que veio o Senhor com os seus milhares de santos, para executar juízo sobre todos e convencer a todos os ímpios de todas as obras de impiedade, que impiamente cometeram, e de todas as duras palavras que ímpios pecadores contra ele proferiram”.

Segundo, como a igreja hoje deve se posicionar com o proposito de resgatar a verdadeira ortodoxia?
Antes de qualquer coisa, precisamos voltar para as Escrituras. Só a Escritura é a regra inerrante da vida da igreja. Mas infelizmente, a igreja evangélica atual é uma igreja guiada, por vezes, pela cultura; é uma igreja secularizada e guiada por aquilo que chamamos de pragmatismo religioso. À medida que a autoridade bíblica é abandonada, suas verdades se enfraquecerão na consciência cristã, suas doutrinas perderam sua proeminência, e a igreja vai ser cada vez mais esvaziada de sua integridade, autoridade moral e discernimento.

Temos que entender que a Escritura nos conduz além de nossas necessidades percebidas para nossas necessidades reais, e libertar-nos do hábito de nos enxergar por meio das imagens sedutoras, clichês, promessas e prioridades da cultura massificada. É só à luz da verdade de Deus que nós nos entendemos corretamente e abrimos os olhos para a provisão de Deus para a nossa sociedade. A Bíblia, portanto, precisa ser ensinada e pregada na igreja. Os sermões precisam ser exposições da Bíblia e de seus ensinos, não a expressão de opinião ou de ideias da época. Não devemos aceitar menos do que aquilo que Deus nos tem dado.

O povo de Deus precisa estar preparado doutrinariamente falando, para combater as heresias ou os falsos mestres. O dever de batalhar pela fé não pertence exclusivamente aos pastores consagrados ao ministério da Palavra, embora eles tenham uma responsabilidade especial. Batalhar pela fé é o dever de todo crente verdadeiro. “Precisamos obter um sentimento completamente novo da preciosidade da doutrina bíblica. Como igreja, precisamos conhecer a profundidade, a beleza e o valor da verdade doutrinária. Existe uma fé digna de contendermos por ela... A melhor coisa que podemos fazer para que sejamos uma igreja eficaz em batalhar pela fé é nos tornarmos uma igreja bem fundamentada na fé — “Edificando-vos na vossa fé santíssima”. Estudem! Meditem! Edifiquem! Cresçam! Há muitas verdades maravilhosas a aprendermos sobre Deus. E a melhor defesa da fé é conhecer tais verdades e amá-las.” - John Piper

Precisamos batalhar pela fé - Tal como os Pais da Igreja Primitiva repudiaram aqueles ensinos e reivindicações confiando e apelando exclusivamente para as Sagradas Escrituras, assim também devemos fazer. Desde o primeiro dia de Judas, até agora, os verdadeiros crentes sempre batalharam pela pureza do evangelho e nós que estamos aqui precisamos seguir nessa mesma perspectiva ortodoxa. Vigorosos e corajosos em defender a ortodoxia cristã, mesmo que isso custe a nossa própria vida.  A fé que hoje nutrimos foi preservada para nós à custa do sangue de centenas de reformadores (JOHN HUSS; JERÔNIMO SAVONAROLA; JERÔNIMO DE PRAGA; JONH HOOPER; WILLIAM TYNDALE). De 1555 a 1558, a ra­inha Maria, a católica que reinou na Inglaterra, queimou na fogueira 288 reformadores protestantes — homens como John Rogers, John Hooper, Rowland Taylor, Robert Ferrar, John Bradford, Nicholas Ridley, Hugh Latimer e Thomas Cranmer. E por que eles foram queimados? Porque permaneceram firmes em favor de uma verdade — a verdade de que a presença real do corpo de Jesus não está na eucaristia, e sim no céu, à direita do Pai. Por essa verdade, eles suportaram o agonizante sofrimento de serem queimados vivos. O sangue dos mártires é um poderoso testemunho de que a fé “uma vez por todas” entregue aos santos é digna de batalharmos por ela. Não podemos ser tímidos diante de tão grande tarefa que temos pela frente. Somos detentores das verdades pelas quais os homens podem ser salvos.

Como dizia Lutero: “Qualquer ensinamento que não se enquadre nas Escrituras deve ser rejeitado, mesmo que faça chover milagres todos os dias”. Ou como afirmava Francis Schaeffer: “Se não tornarmos clara nossa posição, com palavras e obras, em favor da verdade e contra as falsas doutrinas, estaremos edificando um muro entre a próxima geração e o evangelho”. E nas belas palavras do Dr. Rienk Bouke Kuiper (Antigo presbiteriano do século  XVIII): “A igreja de hoje não tem dever mais solene do que conservar a pureza da doutrina”.

Que Deus nos encoraje para que honremos seu Santo Nome e saíamos em defesa da "fé que uma vez por todas foi entregue aos santos". E que possamos estar dispostos á irmos até as últimas consequências pela verdade do evangelho.


Rev. Edvaldo Miranda (Pastor da Igreja Presbiteriana de Lagoa Seca - PB)

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