Texto:
Jd. 1: 1-4: “1Judas, servo
de Jesus Cristo e irmão de Tiago, aos chamados, amados em Deus Pai e guardados
em Jesus Cristo, 2a
misericórdia, a paz e o amor vos sejam multiplicados. 3Amados,
quando empregava toda a diligência em escrever-vos acerca da nossa comum
salvação, foi que me senti obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos a
batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos
santos. 4Pois certos
indivíduos se introduziram com dissimulação, os quais, desde muito, foram
antecipadamente pronunciados para esta condenação, homens ímpios, que
transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único
Soberano e Senhor, Jesus Cristo.”
Introdução
Judas
tinha originalmente planejado escrever uma carta celebrando as grandes verdades
da "comum salvação" que ele compartilhava com seus leitores (v. 3).
Mas a notícia alarmante de que falsos mestres tinham invadido as congregações, ameaçando
a ortodoxia (v. 4), o obrigou a mudar seus planos. Assim, ele escreveu
denunciando os falsos mestres e seu estilo de vida sem Deus, advertindo seus
leitores e chamando-os para "batalhar pela fé", de modo a proteger a
verdade do evangelho (v. 3). O Novo Testamento repetidamente nos adverte do
perigo que os falsos mestres apóstatas representam para a igreja. Tanto Jesus
(Mt 7:15) como Paulo (At. 20:29) comparou estas pessoas com lobos ferozes.
"Muitos falsos profetas surgirão", advertiu Jesus, e “enganarão a
muitos" (Mt 24:11). Paulo advertiu a Timóteo: "Mas o Espírito
expressamente diz que nos últimos tempos, alguns abandonaram a fé, dando
ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios" (1 Tm. 4:1).
Pedro e João também alertaram para esses pretendentes espirituais (2Pe. 2, 3; 1Jo.
4:1-3; 2Jo. 7), assim como Judas relata em sua breve epistola de um capitulo.
Judas condena com muito vigor – como deveríamos fazer hoje – os falsos mestres
que estavam infiltrados na igreja em sua época, e, por consequência, todos os
que ainda estavam por vir. Em nossa
cultura pós-moderna, em que a verdade é considerada relativa e a tolerância é
valorizada acima de tudo, o apelo de Judas para a pureza doutrinária é urgente
e inegociável. Como observa Thomas R. Schreiner: “A mensagem de Judas fala sobre julgamento e
é especialmente relevante para as pessoas de hoje, para as nossas igrejas que
são propensas ao sentimentalismo, que sofrem de colapso moral, e muitas vezes
deixam de pronunciar uma palavra definitiva do julgamento por causa de uma
definição inadequada de amor.” Sem dúvida, a maior ameaça para a igreja sempre
foi e sempre será o falso ensino, um outro “evangelho”. A sutileza desse falso
ensino torna-se uma espécie de veneno espiritual que causa grandes danos e
produzem muitas vitimas espirituais e as consequências são eternas. Em sua exortação aos presbíteros de Éfeso, o
apóstolo Paulo ecoou a admoestação do Senhor: “Eu sei que, depois da minha
partida, lobos vorazes, penetrarão no meio de vocês e não pouparão o rebanho. E
dentre vocês mesmos se levantarão homens que torcerão a verdade, a fim de
atrair os discípulos.” (At. 20:29–31). O resto das advertências que se encontra
no Novo Testamento contém registros semelhantes, instruindo os crentes a se
protegerem contra a natureza enganosa do falso ensino (Mt 24:10-14; 2 Ts. 2:
3-12; 1Tm. 4:1 -3; 2Tm. 3:1-9, 2 Pe. 2:1; 3:7; 1 Jo. 2:18-19; 4:1-3; 2Jo. 7-10;
Tg. 5:1-6).
A
mensagem desta epístola nos fala do comprometimento e da defesa da "fé que
uma vez por todas foi entregue aos santos" (v. 3). A batalha aqui é pela
pureza do evangelho, é o resgate da verdadeira ortodoxia.
Primeiro precisamos entender como
Judas agiu em defesa da verdadeira ortodoxia nos seus dias. A preocupação de Judas aqui é
sincera e pastoral por seus leitores. Essa preocupação longe de ser um
sentimentalismo raso, nasceu da convicção profunda e crucial de defender a
verdade de Deus. É bem verdade que a exortação não era a intenção inicial de
Judas. Ele escreveria acerca da “salvação comum” que ele compartilhava com seus
leitores. A exortação foi motivada por uma obrigação diante dos fatos que
estavam trazendo prejuízo para o desenvolvimento da igreja naquela época. Vejam
a exortação: “Exorto-vos a batalhardes diligentemente, pela fé que uma vez por
todas foi entregue aos santos”.
Batalhar
diligentemente significa defender a verdade sempre e vigorosamente. É
justamente aquilo que Paulo fala a Timóteo: “Este é o dever de que te encarrego, ó filho
Timóteo, segundo as profecias de que antecipadamente foste objeto: combate,
firmado nelas, o bom combate” (1Tm. 1: 18). A fé aqui é a própria ortodoxia
cristã que estava sob ataque e precisava ser defendida. A doutrina dos apóstolos, o bom deposito
sagrado da verdade cristã estava sob ataque e os inimigos já procuravam solapar
as grandes doutrinas fundamentais, a verdade objetiva de Deus (isto é, tudo o
que pertence a nossa comum salvação). Semelhantemente Paulo admoestou Timóteo
para proteger a fé (2Tm 1:13-14): “Mantém o padrão das sãs palavras que de mim ouviste com fé e com o amor
que está em Cristo Jesus. Guarda o bom depósito, mediante o Espírito
Santo que habita em nós.” Paulo também disse aos Gálatas (Gl. 1:9): “Assim, como já dissemos, e
agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebestes,
seja anátema.” O apóstolo João semelhantemente escreveu: “Todo aquele que ultrapassa
a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus; o que permanece na
doutrina, esse tem tanto o Pai como o Filho. Se alguém vem ter convosco e não traz esta
doutrina, não o recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas. Porquanto aquele que lhe dá boas-vindas
faz-se cúmplice das suas obras más. (2Jo. 1: 9-11).
A
exortação de Judas tinha um grupo especifico: os falsos mestres – v. 4a –“Pois
certos indivíduos se introduziram com dissimulação”. A presença dos falsos
mestres já era evidente nos dias de Judas,
não era meramente hipotético, já estavam presentes na igreja. A palavra
traduzida aqui por introduziram com dissimulação (pareisduō) aparece somente uma vez no Novo Testamento. Ela tem a
conotação de escorregar em secreto com uma má intenção. No grego clássico
significa a astúcia de um advogado que, através da argumentação inteligente,
infiltra-se nas mentes dos funcionários nos tribunais e corrompem o seu
pensamento. Eles se infiltram na igreja clandestinamente com o objetivo de
propagar o engano. Essa infiltração mina a comunhão, a adoração, o evangelismo.
A
igreja sucumbe aos erros tanto na doutrina (ortodoxia) como na pratica (ortopraxia).
Na igreja de hoje, tal infiltração tem permeado muitos setores e assumido
muitas formas. Os falsos mestres escrevem livros, falam no rádio, na televisão,
ensinam em seminários (liberais), pregam nos púlpitos (falsos apóstolos), e têm
sites na Internet. Eles se disfarçam como mensageiros da verdade (2Co. 11: 14),
mas são ambiciosos que se preocupam com seu próprio ventre e o enriquecimento é
seu alvo principal. Judas nos dá um retrato desses falsos mestres. Seu caráter
– “homens ímpios” – Não temiam a Deus; eram desprovidos de qualquer tipo de
reverencia a Deus; não adoravam a Deus corretamente. Sua conduta – “transforma
em libertinagem a graça de nosso Deus” - Distorciam a liberdade em
licenciosidade e transformam-na em permissão para pecar.
Esses
falsos mestres se entregavam a luxuria, aos seus desejos carnais e se
desculpavam dizendo que o que acontecia na carne não afetaria o espiritual. Era
justamente esse ensino herético que Paulo combate em Romanos, o antinomianismo.
“Pequem porque a graça ficara mais evidente”. Paulo diz: “Permaneceremos no
pecado, para que seja a graça mais abundante? De modo nenhum! Esse ensino
pervertia a graça do nosso Deus. A graça de Deus se manifestou com um propósito muito diferente, ou seja, “educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente (Tt. 2: 12)". Qualquer insinuação de que a
graça dá aos cristãos a liberdade para atuar de forma carnal é heresia. Suas
crenças – “negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo”. Eles negavam o
governo absoluto e justo do Senhor Jesus. Eles negavam sua divindade. Eles
negavam sua morte vicária e ressurreição. Eles negavam todas as doutrinas
essências acerca de sua Pessoa e obra. Eles se opunham de forma dogmática e
ferrenha ao evangelho, ao valor do sangue precioso de Cristo e ao fato de Ele
ser o único caminho para salvação, como está descrito nas Escrituras.
Judas
diz que haverá uma sentença para os falsos mestres. Serão punidos como foram os
falsos mestres de Israel (v. 5) , os anjos que não guardaram seu principado (v.
6), os gentios (v. 7). O pretérito perfeito sugere que a uma longa condenação
pronunciada por Deus há todos os apóstatas. Observem os versos 14-15: “Para estes também
profetizou Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que veio o Senhor com
os seus milhares de santos, para executar juízo sobre todos e convencer
a todos os ímpios de todas as obras de impiedade, que impiamente cometeram, e
de todas as duras palavras que ímpios pecadores contra ele proferiram”.
Segundo, como a igreja hoje deve
se posicionar com o proposito de resgatar a verdadeira ortodoxia?
Antes
de qualquer coisa, precisamos voltar para as Escrituras. Só a Escritura é a
regra inerrante da vida da igreja. Mas infelizmente, a igreja evangélica atual é
uma igreja guiada, por vezes, pela cultura; é uma igreja secularizada e guiada
por aquilo que chamamos de pragmatismo religioso. À medida que a autoridade
bíblica é abandonada, suas verdades se enfraquecerão na consciência cristã,
suas doutrinas perderam sua proeminência, e a igreja vai ser cada vez mais
esvaziada de sua integridade, autoridade moral e discernimento.
Temos
que entender que a Escritura nos conduz além de nossas necessidades percebidas
para nossas necessidades reais, e libertar-nos do hábito de nos enxergar por
meio das imagens sedutoras, clichês, promessas e prioridades da cultura
massificada. É só à luz da verdade de Deus que nós nos entendemos corretamente
e abrimos os olhos para a provisão de Deus para a nossa sociedade. A Bíblia,
portanto, precisa ser ensinada e pregada na igreja. Os sermões precisam ser
exposições da Bíblia e de seus ensinos, não a expressão de opinião ou de ideias
da época. Não devemos aceitar menos do que aquilo que Deus nos tem dado.
O
povo de Deus precisa estar preparado doutrinariamente falando, para combater as
heresias ou os falsos mestres. O dever de batalhar pela fé não pertence
exclusivamente aos pastores consagrados ao ministério da Palavra, embora eles
tenham uma responsabilidade especial. Batalhar pela fé é o dever de todo
crente verdadeiro. “Precisamos obter um sentimento completamente novo da
preciosidade da doutrina bíblica. Como igreja, precisamos conhecer a
profundidade, a beleza e o valor da verdade doutrinária. Existe uma fé digna de
contendermos por ela... A melhor coisa que podemos fazer para que sejamos uma igreja eficaz em batalhar pela fé é nos tornarmos
uma igreja bem fundamentada na fé — “Edificando-vos na vossa fé santíssima”.
Estudem! Meditem! Edifiquem! Cresçam! Há muitas verdades maravilhosas a
aprendermos sobre Deus. E a melhor defesa da fé é conhecer tais verdades e
amá-las.” - John Piper
Precisamos
batalhar pela fé - Tal como os
Pais da Igreja Primitiva repudiaram aqueles ensinos e reivindicações confiando
e apelando exclusivamente para as Sagradas Escrituras, assim também devemos
fazer. Desde o primeiro dia de Judas, até agora, os verdadeiros
crentes sempre batalharam pela pureza do evangelho e nós que estamos aqui
precisamos seguir nessa mesma perspectiva ortodoxa. Vigorosos e corajosos em
defender a ortodoxia cristã, mesmo que isso custe a nossa própria vida. A fé
que hoje nutrimos foi preservada para nós à custa do sangue de centenas de
reformadores (JOHN HUSS; JERÔNIMO SAVONAROLA;
JERÔNIMO DE PRAGA; JONH HOOPER; WILLIAM TYNDALE). De 1555 a
1558, a rainha Maria, a católica que reinou na Inglaterra,
queimou na fogueira 288 reformadores protestantes — homens como John Rogers,
John Hooper, Rowland Taylor, Robert Ferrar, John Bradford, Nicholas Ridley,
Hugh Latimer e Thomas Cranmer. E por que eles foram queimados? Porque
permaneceram firmes em favor de uma verdade — a verdade de que a presença real
do corpo de Jesus não está na eucaristia, e sim no céu, à direita do Pai. Por
essa verdade, eles suportaram o agonizante sofrimento de serem queimados vivos.
O sangue dos mártires é um poderoso testemunho de que a fé “uma vez por
todas” entregue aos santos é digna de batalharmos por ela. Não podemos ser tímidos diante de tão grande tarefa
que temos pela frente. Somos detentores das verdades pelas quais os homens
podem ser salvos.
Como dizia Lutero: “Qualquer ensinamento que não
se enquadre nas Escrituras deve ser rejeitado, mesmo que faça chover milagres
todos os dias”. Ou como afirmava Francis Schaeffer: “Se não tornarmos clara
nossa posição, com palavras e obras, em favor da verdade e contra as falsas
doutrinas, estaremos edificando um muro entre a próxima geração e o evangelho”.
E nas belas palavras do Dr. Rienk Bouke Kuiper (Antigo
presbiteriano do século XVIII): “A
igreja de hoje não tem dever mais solene do que conservar a pureza da
doutrina”.
Que Deus nos encoraje para que honremos seu
Santo Nome e saíamos em defesa da
"fé que uma vez por todas foi entregue aos santos". E que possamos
estar dispostos á irmos até as últimas consequências pela verdade do evangelho.
Rev. Edvaldo
Miranda (Pastor da Igreja Presbiteriana de Lagoa Seca - PB)
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