quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Graça Comum: Deus é o maestro que criou e que rege toda a sinfonia da criação!


Bem sabemos que depois da queda, o homem foi dominado pelo pecado(Rm 3.23), tornando-se escravo de suas próprias paixões e morto espiritualmente, sendo esta a doutrina já discutida aqui em outro texto, a Depravação Total. No entanto, tal perspectiva nos deixa diante de um sério dilema: em meio à tamanha corrupção espiritual, como pode haver uma sociedade ordenada com princípios éticos, e relações de afeto? Como as estruturas da sociedade não foram devoradas pelo desejo insano do coração dos homens? A resposta dada pelo Calvinismo é só uma: a graça comum de Deus.

Essa questão me foi esclarecida durante a leitura do excelente livro Calvinismo de Abraham Kuyper, teólogo holandês do século passado, onde ele afirma que assim como o homem domestica os animais, e prende ou controla seres selvagens, assim também Deus limita a maldade dos homens, extraindo até mesmo o bem do mal, para que se preserve a criação, entendido neste conceito não somente as coisas naturais, mas também toda a criação intelectual que também vem Dele.

É tal pensamento que nos explica a retidão moral de alguns incrédulos, que apesar de caídos espiritualmente, tem uma conduta séria e comprometida com suas causas, ao ponto de causar admiração. Isto nada mais é do reflexo da graça comum de Deus, que é a interferência mínima Dele para garantir que o mundo não seja destruído pelos corações pecaminosos dos homens. Esta graça é diferente da especial, sendo esta a que conduz a salvação por colocar a fé no caminho do escolhido.

A graça comum é um conceito rico e que nos dá amplas possibilidades de contemplação por caminhos muitas vezes negligenciados por separações equivocadas que foram construídas com base em premissas erradas, como a separação do sagrado e do profano. Neste mesmo livro, Kuyper prega que a cosmovisão calvinista, que nada mais é que a exposição clara e fiel das Santas Escrituras, deve permear todas as esferas do conhecimento humano, e restringir este pensamento ao ciclo religioso, como temos feito, acaba o isolando e entregando as ciências, a política e as artes nas mãos das vãs filosofias, deixando de lado uma ótima oportunidade de glorificar a Deus através destas áreas da convivência humana.

Paulo afirma em colossenses que: “Pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. E ele é antes de todas as coisas. Nele tudo subsiste.” [1] Assim, é uma posição falha o isolacionismo do pensamento cristão que deve abranger com completude o ser humano, já que tudo foi feito por Deus e tem como fim Cristo. Muda-se o paradigma: não me afasto do mundo, mas somente daquilo que é pecaminoso nele..

Mas, dentro do campo vasto onde podemos notar o agir de Deus em lugares onde dogmas infundados nos impediam de ver, gostaria de limitar a análise e me deter na questão da arte, citando o também holandês Hans Rookmaaker, e sua defesa de que a arte não precisa de justificativa: Assim, a arte deve abrir os olhos das pessoas, ou servir como decoração, ou louvor, ou ter uma função social, ou expressar uma filosofia em particular.  A arte não precisa de desculpas.  Ela possui seu próprio significado que não precisa ser explicado, assim como o casamento ou o próprio ser humano, ou a existência de um pássaro ou flor ou montanha ou mar ou estrela.  Todos eles detêm um significado porque Deus os criou.  Seu significado é que foram criados por Deus e são por Ele sustentados.  Assim, a arte tem sentido como arte porque Deus considerou bom dar arte e beleza à humanidade. [2]

Esta conclusão é bela e instigante: a graça comum de Deus nos agraciou, em meio a tanta corrupção, com a beleza da arte. Ao visitar o museu da língua portuguesa em São Paulo, não pude ter outra afirmação em mente se não esta, e vi verdades eternas em muitas obras de homens que não a conheciam, e esta é a beleza do agir de Deus como maestro na criação, se revelando até mesmo através daqueles que não o conhecem. Este texto é na verdade uma introdução a uma série que pretendo fazer nos próximos meses, analisando sob a ótica da graça comum concepções em canções e poesias sobre a criação, a morte, o amor, o sentido da vida e etc. Além de introduzir, este artigo também nos dará o aporte teórico para esta viagem. Aguardo sugestões para incrementar este trabalho, com indicações de até mesmos outras manifestações artísticas como artes plátiscas e cinema, assim como temáticas para serem tratadas. Termino com um nítido exemplo de verdade de Deus que brota fora dos celeiros eclesiásticos:

Três âncoras deixou Deus ao homem: o amor da pátria, o amor da liberdade, o amor da verdade.
Cara nos é a pátria, a liberdade mais cara; mas a verdade mais cara que tudo. Patria cara, carior-Libertas, Veritas carissima. Damos a vida pela pátria. Deixamos a pátria pela liberdade. Mas pátria e liberdade renunciamos pela verdade. Porque este é o mais santo de todos os amores. Os outros são da terra e do tempo. Este vem do céu, e vai à eternidade. (Rui Barbosa) [3]


Jesus Cristo é a verdade!
Deus vos abençoe!

Rodrigo Ribeiro
@rodrigolgd

 Citações:
[3]PAULO: In: A Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. Barueri, São Paulo, 1993. Epístola aos Colossenses, capítulo 1, versículo 16 e 17. 1060p. 
 [2] H. R. Rookmaaker, Modern Art and the Death of a Culture, 2nd ed. (Londres: Inter-Varsity Press, 1973), 229-30.
[3] BARBOSA, Rui.  A inprensa e o dever da verdade. São Paulo: Com-Arte; Editora da
Universidade de São Paulo, 1990, 80 p. (Clássicos do Jornalismo Brasileiro; 2)

Comentários
22 Comentários

22 comentários:

  1. Caríssimo irmão,
    Seu texto me fascinou. Gostaria de licença para republica-lo no meu blog.
    Um abraço.
    Marcelo

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  2. Será uma honra, e quanto mais a mensagem for espalhada, mais terá cumprido o propósito que tive ao escrever este texto. Peço somente que coloque as devidas referências, e coloque o link da postagem original se for possível.
    Coloque seu blog também para que possamos dar uma olhada também.
    Força nesta caminhada de blogueiros de Cristo! kkk

    Forte Abraço e obrigado pelas palavras.

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  3. Letras maravilhosas descritas em tão poucas linhas. Vislumbrando as palavras de Calvino podemos observar que após a criação, Deus viu que tudo era bom. Imagine que cada olho humano fosse fechado e cada ouvido humano tapado, ainda assim a beleza permanece, e Deus a vê e a ouve, pois, não somente “seu eterno poder”, mas igualmente sua “divindade”, desde o momento da criação têm sido percebidos em sua criação, tanto espiritual como corporalmente. Um artista pode observar isto em si mesmo. Se ele compreende que sua própria capacidade artística depende de ter um olho para a arte [senso estético], deve necessariamente chegar à conclusão de que “o olho” original para a arte está no próprio Deus, cuja capacidade para produção artística é plena, e segundo esta imagem foi feito o artista entre os homens.

    "Todas as artes procedem de Deus e devem ser consideradas criações divinas"
    (João Calvino)


    Soli Deo Gloria!

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  4. Comentário de nível elevadíssimo e sinto que sou obrigado a fazer o acrescimento desta bela frase de nosso grande reformador Calvino, mas deixarei para os textos que seguirão sobre o mesmo tema.

    Grato pela grande contribuição dada, Wollney.
    Saudações Legendárias.

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  5. Graça comum explicada de maneira simples e profunda!Rodrigo o SPN está lhe esperando!Muito bom mesmo o artigo!!Sugiro uma pesquisa e uma postagem acerca da graça barata vs. a graça custosa,para tal se faz necessário pesquisar acerca de Bonhoeffer,eu mesmo escreveria,mas você está no caminho,então mãos à obra mano!!

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  6. Obrigado pelo incentivo Joel. Certamente lerei sobre o assunto sugerido. Forte Abraço!

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Parabéns Rodrigo, estou vendo que está degustando bastante do livro: Calvinismo, do Abraham Kuyper.

    Muito importante observar que esta nova geração promete!

    Grande abraço!

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  9. Texto muito profundo e belo, sobretudo para mim, amante da arte. Ser instrumento de Deus, nessa perspectiva, vai além da vontade do homem. É a beleza de ser usado por Ele como criatura no contexto de toda a sua criação. Homens de sensibilidade apuradíssima nos fazem chegar mais perto de Deus, através da expressão artística, isso é inegável. É revelação também. Revelação da companhia, do amor e do cuidado constante de Deus conosco.
    Pode parecer até mentira, mas essa semana estava comentando com Jr o quanto Roberto Carlos foi usado para falar Dele, em algumas de suas letras. Canções que nos colocam diante do Pai, mas que estão em repertórios populares e que, por isso, ganham mais expressão e espaço na mídia. Providência divina. O amor de Deus não tem limites e ele está expresso desde o sol que se levanta para nos aquecer e proceder a fotossíntese para o nosso respeirar até na arte, que tem a capacidade de mexer com o mais íntimo do ser humano. Lindo texto, maninho!

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  10. Obrigado Valker, seu incentivo é muito valoroso mesmo! A grande admiração que tenho pela sua dedicação às Santas Escrituras, só amplificam a importãncia de seu apoio! Deus te abençõe Pastor amado!

    Déia, suas palavras estão um nível superior ao próprio texto. Vejo que poderá me ajudar bastante nesta saga pela graça comum, já que é sua área, e tens um talento notório. E mais: vamos tratar de agendar um texto seu por aqui o quanto antes! kkk

    Abraço.

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  11. Superior ao texto, não mesmo. Mas quanto ao agendamento, se com a minha pequenez eu puder contribuir em algo, ficarei feliz! =D

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  12. Coisa linda! Texto como esse não é pra todos, mas para quem sabe degustar de uma teologia reformada.
    Damos graças pela Graça comum que se estende à tods que são "imago Dei".

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  13. Louvado seja Deus que lampeja Sua Glória nos seres humanos e faíscas da eternidade cruzam a nossa mente com essas experiências estéticas.

    É muito interessante como essas experiências influenciaram a vida de C. S. Lewis, não somente a arte (especialmente a poesia), mas também a contemplação da natureza. Segundo ele, essa graça comum era um aperitivo do banquete da Graça para qual Deus o estava convidando

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  14. Belíssima citação de Rui.

    Parabéns pelo texto

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  15. Olá Rodrigo. Excelente texto! Conheci este blog através da divulgação do Presb. Cícero ontem na programação da rádio Transmundial. Eu juntamente com outros jovens da Igreja Presbiteriana Eldorado formamos um grupo de estudos, que tem como objetivo estudar a Cosmovisão Calvinista Reformada e aplicá-la a nossa realidade. Utilizamos nosso blog para publicarmos textos com as temáticas estudadas. O endereço é: www.cosmovisaocalvinista.blogspot.com
    Será de grande valia para meu grupo compartilhar informações, textos, idéias sobre a fé reformada com a UMP de vocês. Um grande abraço!

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  16. Ta na mão Rodrigo.
    Meu blog é:
    www.eclesiareformanda.blogspot.com
    Seu texto será publicado logo, logo. E pode deixar que todos os devidos creditos serão oferecidos.
    Abrçs.
    Marcelo

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  17. Olá Rodrigo!
    Seu texto me trouxe grande paz.
    Minha conversão está completando um ano, e o ponto decisivo foi quando me deparei com a graça. Nunca tinha escutado falar sobre o calvinismo até então. E finalmente me vi diante da verdade. É como ser cego a vida toda e voltar a enxergar.
    Ainda não tinha o conhecimento sobre a graça comum, e o que me deixou feliz em seu texto, além de saber sobre ela, foi a maneira que expôs, usando as Artes.
    Este ano comecei a minha graduação em licenciatura em Artes visuais. Algumas vezes fui confrontada sobre as Artes serem algo que agradasse a Deus; muitos a relacionam principalmente com idolatria. E isso acaba virando uma preocupação.Não podeira imaginar que minha disposição para as Artes não viesse de Deus.
    Hoje sei que a Artes são ferramentas nas mãos Dele para o nosso serviço em sua obra.
    Aproveito a oportunidade de usar seu texto em meu blog.
    Um abraço. Deus o abençoe
    Janaina Sant'Ana

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  18. Ops..desculpe, ratificando..
    Aproveito esta oportunidade e peço autorização para usar seu texto em meu blog.
    Desculpe a falha..
    Janaina

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  19. Obrigado Leonardo. Sei que n[os cresceremos bastante com uma constante parceria com vistas a um maior aprofundamento das Sagradas Escrituras.

    Grande Marcelo, honra imensa ser digno de estar em seu blog. Aguardo o link quando publicardes o texto. Forte Abraço!

    Tracoperdido, fico realmente emocionado ao notar que Deus usou esse texto para falar com você, e realmente ficarei honrado com a divulgação em seu blog dele. Passe a mensagem da graça comum adiante! Peço só que registre tudo da forma certa, e se possível coloque o link deste blog na postagem, para que interessados possam conhecer mais de nossas publicações. Deus abençoe e venha sempre por aqui irmão, somos uma grande família!

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  20. Iniciativa louvável, Rodrigo. Ficarei atento às próximas publicações.

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  21. Como disse no twitter, Rodrigo, muito bom seu texto. Já estou seguindo o blog pra não ficar fora da discussão. Grande abraço!

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  22. Muito bom Rodrigo o seu artigo.Me identifiquei muito,pois venho de uma família de músicos e como professora fazia trabalhos envolvendo música.Sou mãe de um músico e tive momentos complicados,pois tentei impedir meu filho de usar o seu dom,fora da igreja.Hoje,depois de ler muito acerca do assunto,sei que Deus o vocacionou para isso mesmo,ser antes de músico ,um cristão,honrando a Deus e fazendo tudo com esmero,onde for.Claro que em relação a arte,principalmente música,é necessário muito cuidado,pois as influências são mais constantes.Sou fascinada por este assunto,que tal falar de início sobre os cristãos que são músicos e onde eles podem atuar,que tipo de músicas devem tocar e os dias,muitas vezes têm que ensaiar e tocar nos domingos.Seria também interessante abordar os pais desses profissionais.Se fosse o caso até fazer uma abordagem com os próprios músicos cristãos,quais as dificuldades que eles tiveram e ainda tem para trabalharem com a arte.Outro tema interessante é entrevistar pastores à respeito desse assunto e como a igreja lida com estas questões.

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