É sobre a questão do batismo de crianças que se acha a mais
importante divergência entre nós e os batistas. Estes afirmam, como o dr.
Hovey, escritor batista o expressa, “que somente os crentes em Cristo têm
direito ao batismo, e somente os que dão uma confiável prova da fé nele devem
ser batizados”. Quer dizer que as crianças são excluídas do sacramento.
Contudo, em todas as demais denominações**
elas o recebem. Vários pontos requerem consideração em conexão com este
assunto.
a. Base bíblica do batismo de crianças. Pode-se dizer
de início que não há´nenhuma ordem explícita na Bíblia para batizar crianças, e
que não há um único exemplo no qual se nos diga claramente que crianças foram
batizadas. Mas isto não torna necessariamente antibíblico o batismo. O
fundamento escriturístico do batismo de crianças acha-se nos seguintes dados:
(1) A aliança feita com Abrão era primariamente
uma aliança espiritual, embora também tivesse um aspecto nacional, e desta
aliança espiritual a circuncisão era um sinal e selo. É um procedimento
infundado dos batistas partir esta aliança em duas ou três alianças diferentes.
A Bíblia se refere à aliança com Abraão diversas vezes, mas sempre no singular,
Ex 2.24; Lv 26.42; 2 Rs 13.23; 1 Cr 16.16; Sl 105.9. Não há sequer uma única
exceção a esta regra. A natureza espiritual desta aliança é comprovada pela
maneira segundo a qual suas promessas são interpretadas no Novo Testamento, Rm
4.16-18; 2 Co 6.16-18; Gl 3.8, 9, 14, 16; Hb 8.10; 11.9, 10, 13. decorre também
do fato de que evidentemente a circuncisão era um rito que tinha significação
espiritual, Dt 10.16; 30.6; Jr. 4.4; 9,25, 26; At 15.1; Rm 2.26-29; 4.11; Fp
3.2, e do fato de que a promessa da aliança é até denominada “o evangelho”, Gl
3.8.
(2) Esta aliança ainda está em vigência,
e é essencialmente idêntica à “nova aliança” da presente dispensação. A unidade
e continuidade da aliança em ambas as dispensações segue-se do fato de que o
Mediador é o mesmo, At 4.12; 10.43; 15.10, 11; Gl 3.16; 1 Tm 2.5, 6; 1 Pe
1.9-12, a condição é a mesma, a saber, a fé, Gn 15.6 (Rm 4.3); Sl 32.10; Hb
2.4; At 10.43; Hb 11, e as bênçãos são as mesmas, quais sejam, a justificação,
Sl 32.1, 2, 5; Is 1.18; Rm 4.9; Gl 3.6, a regeneração, Dt 30.6; Sl 51.10, dons
espirituais, Jl 2.28, 32; At 2.17-21; Is 40.31, e a vida eterna, Ex 3.6; Hb
4.9; 11.10. Aos que foram levados à convicção no dia de Pentecostes Pedro deu a
certeza de que a promessa era para ele e para os seus filhos, At 2.39. Paulo
argumenta em Rm 4.13-18 e Gl 3.13-18 que a dádiva da lei não anulou a promessa,
de sorte que ela ainda permanece na nova dispensação. E o escritor de Hebreus
assinala que a promessa a Abraão foi confirmada com juramento, de modo que os
crentes neotestamentários podem haurir consolo da sua imutabilidade, Hb
6.13-18.
(3) Pela determinação de Deus, as crianças participavam dos
benefícios da aliança, e, portanto, recebiam a circuncisão como sinal e selo.
Segundo a Bíblia, a aliança é, evidentemente, um conceito orgânico, e sua
realização segue linhas orgânicas e históricas. Há um povo ou nação de Deus, um
conjunto orgânico tal que só pode constituir-se de famílias. Naturalmente, esta
idéia de nação é muito proeminente no Velho Testamento, mas o notável é que ela
não desapareceu depois da nação de Israel ter servido ao seu propósito. Ela foi
espiritualizada e, assim, passou para o Novo Testamento, de modo que o povo de
Deus, no Novo Testamento, também é apresentado como nação, Mt 21.43; Rm 9.25,
26 (comp. Oséias 2.23); 2 Co 6.16; Tt 2.14; 1 Pe 2.9. Durante a antiga
dispensação, as crianças eram consideradas parte integrante de Israel como o
povo de Deus. Estavam presentes quando era renovada a aliança, Dt 29.10-13; Js
8.35; 2 Cr 20.13, tinham um lugar na congregação de Israel e, portanto, estavam
presentes em suas assembléias religiosas, 2 Cr 20.13; Jl 2.16. Em vista de
promessas ricas como as de Is 54.13; Jr 31.34; Jl 2.28, dificilmente esperaríamos
que os privilégios de tais crianças fossem reduzidos na nova dispensação, e,
certamente, não procuraríamos sua exclusão de todo e qualquer lugar na igreja.
Jesus e os apóstolos não as excluíram, Mt 19.14; At 2.39; 1 Co 7.14. A referida
exclusão por certo exigiria uma declaração muito explícita a respeito.
(4) Na nova dispensação o batismo, pela autoridade divina,
substitui a circuncisão como o sinal e selo iniciatório da aliança da graça. A
Escritura insiste vigorosamente em que a circuncisão não pode mais servir como
tal, At 15.1, 2; 21.21; Gl 2.3-5; 5.2-6; 6.12, 13, 15. Se o batismo não lhe
tomou o lugar, o Novo Testamento não tem nenhum rito iniciatório. Mas Cristo o
estabeleceu como tal substituto, Mt 28.19, 20; Mc 16.15, 16. Seu sentido
espiritual corresponde ao da circuncisão. Como a circuncisão se referia à
eliminação do pecado e à mudança do coração, Dt 10.16; 30.6; Jr 4.4; 9.25, 26;
Ez 44.7, 9, assim o batismo se refere ao lavamento purificador do pecado., At
2.38; 1 Pe 3.21; Tt 3.5, e à renovação espiritual, Rm 6.4; Cl 2.11, 12. esta
última passagem claramente liga a circuncisão ao batismo e, ensina que a
circuncisão de Cristo, isto é, a circuncisão do coração, simbolizada pela
circuncisão da carne, é realizada pelo batismo, isto é, por aquilo que o
batismo simboliza. Cf. também Gl 3.27, 29. Mas, se as crianças recebiam o sinal
e selo da aliança na antiga dispensação, a pressuposição é que certamente elas
têm direito de recebe-lo na nova, a qual os fiéis do Velho Testamento eram
ensinados a aguardar como sendo uma dispensação muito mais completa e muito
mais rica. Sua exclusão dela requereria uma declaração clara e inequívoca com
esse fim, mas exatamente o oposto é que se vê, Mt 19.14; At 2.39; 1 Co 7.14.
(5) Como acima foi assinalado, o Novo Testamento não contém
nenhuma evidência direta em favor da prática do pedobatismo nos dias dos
apóstolos. Lambert, após considerar e sopesar todas as evidências à mão,
expressa a sua conclusão com as seguintes palavras: “Então, as evidências do
Novo Testamento parecem apontar para a conclusão de que o batismo de crianças,
para dizer o mínimo, não era costume geral na era apostólica”.[1]
Mas não há necessidade de ninguém se surpreender com o fato de não haver menção
direta do batismo de crianças, pois num período missionário como o da era
apostólica, naturalmente a ênfase recairia sobre o batismo de adultos. Além
disso, nem sempre as condições eram favoráveis ao batismo de crianças. Os
conversos não teriam de imediato uma adequada concepção dos seus deveres e responsabilidades
pactuais. Às vezes somente um dos pais se convertia e é perfeitamente
concebível que o outro se opusesse ao batismo dos filhos. Muitas vezes não
havia razoável certeza de que os pais educariam os seus filhos piedosa e
religiosamente, e, todavia, era necessária essa certeza. Ao mesmo tempo, a
linguagem do Novo Testamento é perfeitamente coerente com uma continuação da
administração orgânica da aliança, que exigia a circuncisão das crianças, Mt
19.14; Mc 10.13-16; At 2.39; 1 Co 7.14. Ademais, o Novo Testamento fala
repetidamente do batismo de famílias, e não dá indicação de que isto seja
considerado fora do comum, mas, antes, refere-se a esse fato como natural, At
16.15, 33; 1 Co 1.16. È, por certo, inteiramente possível, mas não muito
provável, que nenhuma dessas famílias tivesse crianças. E se havia crianças, é
moralmente certo que eram batizadas junto com seus pais. O certo é que o Novo
Testamento não contém nenhuma prova de que pessoas nascidas e criadas em
famílias cristãs não possam ser batizadas antes de chegarem à idade da
discrição e de haverem professado sua fé em Cristo. Não há a mais ligeira
alusão a alguma prática desse tipo.
(6) Wall, na introdução da sua História do pedobatismo (History
of Infant Baptism), mostra que no batismo de prosélitos os filhos dos
prosélitos muitas vezes eram batizados junto com seus pais; mas Edersheim diz
que havia uma diferença de opiniões sobre este ponto.[2]
Naturalmente, mesmo que isso acontecesse, nada provaria quanto ao batismo
cristão, mas mostraria que não havia nada de estranho nesse procedimento. A
mais antiga referência histórica ao batismo de crianças acha-se nos escritos da
segunda metade do segundo século. A obra Didaquê fala do batismo de adultos,
mas mão do pedobatismo; e conquanto Justino faça menção de mulheres que eram
discípulas de Cristo desde a infância (ek paidon), esta porção dos seus
escritos não menciona o batismo, e a expressão ek paidon não significa
necessariamente infância. Irineu, falando de Cristo, diz: “Ele veio salvar por
meio de Si próprio todos os que, por meio dele, nascem de novo para Deus,
crianças e criancinhas, e meninos, e jovens e idosos”.[3]
Este trecho, embora não mencione explicitamente o batismo, é considerado como a
mais antiga referência ao batismo de crianças, visto que os chamados “pais
primitivos” associavam tão estritamente o batismo à regeneração, que empregavam
o termo”regeneração” em lugar de “batismo”. Que o batismo de crianças era
praticado mui geralmente, é evidenciado pelos escritos de Tertuliano, embora ele
próprio considerasse mais proveitoso protelar o batismo.[4]
Orígenes o descreve como uma tradição dos apóstolos. Diz ele: “Pois isto havia
também que a igreja tinha dos apóstolos uma tradição (ou, ordem) de dar o
batismo até mesmo às crianças”.[5]
O Concílio de Cartago (253 A.D.) toma o batismo de crianças como certo e
simplesmente discute a questão sobre se elas deveriam ser batizadas antes dos
oito dias de idade. Do segundo século em diante, o batismo de crianças é
reconhecido normalmente, embora às vezes negligenciado na prática. Agostinho
inferiu do fato de que ele era praticado pela igreja no mundo inteiro, apesar
de não instituído nos concílios, que, com toda a probabilidade, foi
estabelecido pela autoridade dos apóstolos. Sua legitimidade não foi negada até
aos dias da Reforma, quando os anabatistas se opuseram a ele.
** Excetuadas as
igrejas pentecostais em geral, que tiveram maior desenvolvimento nas décadas
recentes. Nota do tradutor.
[1] The Sacraments in the New
Testament, p. 204.
[2] Life and Times of Jesus
the Messiah II, p. 746.
[3] Adv. Haereses II, 22, 4.
[4] De Baptismo, c. XVIII.
[5] Comm. In Epist. Ad
Romanos, lib. B.
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2013, pg. 634.
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2013, pg. 634.
Guilherme Barros
Apesar de todo um embasamento teológico sobre a questão, acredito que o que se pode concluir é que o batismo de crianças é puramente ritualístico. Como foi dito, não há demonstrações de que essa seja a vontade de Deus na Sua Palavra, antes sim há uma definição clara de que o batismo é uma demonstração, um símbolo da fé pessoal que alguém tem em Cristo. Agora vem a pergunta: pode uma criança com menos de 8 dias de vida crer ou professar alguma fé?
ResponderExcluirSe for pra firmar uma aliança, como na circuncisão, que se firme pela consagração, pelo compromisso do "Ensina a criança no caminho em que deve andar" e não em rituais que aproximam o protestantismo reformado do catolicismo deturpado.
Fiquem na paz do Senhor.
Acho que você deveria ler o texto! Paz!
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