sábado, 22 de setembro de 2012

O costume tem valor? Com a palavra João Calvino




Ora, se nos evocam o costume, certamente que nada conseguem, pois se agiria mui injustamente conosco se tivéssemos que ceder ao costume. Sem dúvida que, se os juízes dos homens fossem retos, se fazia necessário buscar o costume dos bons. Contudo, não poucas vezes costuma acontecer mui diferentemente, pois o que se vê praticado por muitos logo adquire o foro de costume. Além disso, dificilmente em algum tempo as coisas humanas estejam tão bem que o melhor agrade à maioria. Portanto, o erro público quase sempre resultou dos vícios particulares de muitos, ou, melhor, o consenso comum dos vícios, que agora estes bons varões querem que seja tido por lei.
Que  aqueles que têm olhos vejam que não  apenas um oceano de males tem inundado o orbe, que numerosas pestes ameaçadoras o têm invadido, que tudo se precipita à ruína, de tal sorte que, ou haverá de desesperar-se inteiramente quanto à situação humana, ou fazer frente a tão grandes males que às vezes é preciso aplicar a força. E o remédio é rejeitado não por outra razão, mas porque já de muito nos acostumamos aos males.
Todavia, ainda que o erro público tenha lugar na sociedade dos homens, no reino de Deus, contudo, o que se ouve e se observa é só sua eterna verdade, à qual não se pode impor a injunção de alguma extensão de tempo, de algum costume, de alguma conjuração. Assim, outrora ensinava Isaías aos eleitos de Deus que não dissessem: Conspiração, em referência a tudo aquilo em que o povo dizia: Conspiração [Is 8.12]. Isto é, que eles próprios não conspirassem compartilhando do sentimento ímpio do povo, nem temessem deles o que temiam, nem  se espantassem, mas, ao contrário, se santificassem ao Senhor dos Exércitos e este fosse para eles o temor e espanto.
Agora, pois, que lancem eles exemplos diante de nós, como queiram, não ape-nas os séculos sucessivos, mas ainda os tempos atuais. Se santificarmos o Senhor dos Exércitos, não seremos grandemente espantados. Ora, ainda que muitos séculos tenham anuído à mesma impiedade, poderoso é aquele que exerce vingança até a terceira e quarta geração [Ex 20.5; Nm 14.18; Dt 5.9]; ainda que, a um só tempo, o orbe inteiro conspire na mesma maldade perversa, pela experiência ele nos ensinaram qual seja o fim daqueles que transgridem com a multidão, quando a todo o gênero humano destruiu pelo dilúvio, preservando apenas Noé com sua reduzida família, o qual, por sua fé, e esta de um só, condenasse ao mundo todo [Hb 11.7; Gn 7.1].
Afinal, o mau costume outra coisa não é senão uma como que peste pública, em que não menos sucumbem quantos tombam na multidão. Ademais, conviria que ponderasse o que em certo lugar diz Cipriano: Aqueles que pecam por ignorância, embora não podem ser eximidos de toda culpa, contudo podem parecer de certo modo escusáveis. Aqueles, porém, que obstinadamente rejeitam a verdade oferecida pela benevolência de Deus nada têm que possam pretextar.



CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã: Carta ao Rei Francisco I, Livro I, pag. 34 e 35


Felipe Medeiros

@felipe_ipb



Nenhum comentário:

Postar um comentário