Pastor presbiteriano, cantor, compositor e professor universitário. Conversamos nesta entrevista com Gladir Cabral,a respeito de seu ministério e sua concepção sobre temas como música cristã e o uso da internet para fins evangelísticos.
1 – Além de músico, professor, você (permita-nos chamá-lo assim) também é pastor. Como faz para conciliar essas atividades? Aproveite para falar de onde você é e onde atua como pastor.
Sou professor na Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), que fica em Criciúma (SC), onde leciono desde 1994 Literatura Inglesa e Norte-americana, Literatura Infantil (o que é um grande privilégio), Educação e Identidade Cultural, Escrita Acadêmica, mas já dei aula de Teoria Literária, Língua Portuguesa, Arte e cultura brasileira... Sou também pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil desde 1985 e atualmente auxilio o pastor Claudimir G. da Silva na Igreja Presbiteriana na Trindade, em Florianópolis (SC). Conciliar as duas atividades às vezes não é fácil, pois o tempo é implacavelmente rígido e torna-se muito breve quando mais precisamos dele. Orientações, provas, correções de trabalhos, pesquisa, produção de artigos, preparação de aulas tomam um tempo muito precioso da vida. Entretanto, a natureza do trabalho é muito parecida e focada na centralidade da palavra e dos relacionamentos humanos. Tanto quem ensina quanto quem pastoreia lida com a palavra e com pessoas. Além disso, literatura, Escritura e música movem-se nos campos da arte, da beleza e da metáfora. Em minha vida, as duas atividades são complementares, pois a experiência com as Escrituras e com o evangelho me dá lastro para compreender mais profundamente a literatura de língua inglesa, ao mesmo tempo em que a literatura me possibilidade ver nuances novas no texto sagrado e me ajuda ainda mais na hora de escrever canções. Em resumo, nasci para lidar com a palavra e com a Palavra, seja ensinando na universidade, numa escola dominical, pregando num púlpito ou simplesmente cantando uma canção.
2 – Como você vê a realidade da música cristã hoje no Brasil? Como a mesma influencia a igreja?
A realidade musical cristã anda muito complexa. Já desisti de tentar compreendê-la, abarcá-la. Posso falar apenas do que vi e ouvi ao longo desta vida, morando fora dos grandes centros, pastoreando uma igreja local pequena no Sul do Brasil. Tentando compreender o processo histórico que nos trouxe até aqui, vejo claramente um momento inicial, com os missionários ensinando nossas igrejas os hinos anglo-saxões. Comovo-me com uma Fanny Crosby, cega, escrevendo (entre suas 8.000 canções): "Que segurança tenho em Jesus, pois nele gozo paz vida e luz!". Vejo alguns cristãos antigos (final do século XIX e início do século XX) tentando fazer hinos brasileiros para a glória de Deus e edificação da Igreja. Comovo-me também com um João Gomes da Rocha escrevendo "Finda-se este dia que meu Pai me deu, sombras vespertinas cobrem já o céu. Ó Jesus bendito, se comigo estás, eu não temo a noite, vou dormir em paz". Depois disso vieram os corinhos, primeiramente trazidos pelos pastores norte-americanos em suas campanhas evangelísticas, mas depois criados pelos próprios brasileiros. Então veio a década de 1960, o Jesus Movement, que influenciou os jovens daquela geração. Aqui no Brasil surgiram movimentos missionários e grupos musicais memoráveis, entre eles o Jovens da Verdade e o Vencedores por Cristo.
Com o advento da agora chamada "música gospel" aqui no Brasil, isto é, com a entrada de grupos evangélicos no mercado discográfico é que a coisa explodiu em todos os sentidos, tanto em expansão e domínio mercadológico, quanto em especialização e aperfeiçoamento técnico dos músicos, mas também infelizmente em profusão de ensinos distorcidos das Escrituras. Também foi absurda a influência que essa música evangélica nova, afinada com os interesses do mercado, do segmento gospel, teve e tem na prática litúrgica das igrejas. O estilo, o repertório e até os trejeitos de certos "ministros" de louvor, "levitas" e afins acabam se replicando em milhares de igrejas espalhadas pelo Brasil afora. Até o tom de voz (de modo geral lamuriento e choroso) é imitado, assim também as profetadas, declarações e imprecações. Tudo isso veio em detrimento da liturgia, que era conhecida apenas na sua forma tradicional, rasa, e que não subsistiu à avalanche de novidades. Aliás é isso, entre os que ministram louvor existem uma verdadeira caça às novidades, aos últimos lançamentos, DVDs, CDs...
Entretanto, há um outro movimento ocorrendo, paralelo a esse citado anteriormente, um movimento marginal, subterrâneo, subversivo, que trabalha de modo independente às leis do mercado, que produz reflexão, canção, que cultiva adoração, evangelização, que tenta integrar vida cristã e realidade brasileira, fé e história. Faço parte desse grupo. São irmãos que trazem um ar novo, um alento, para a Igreja já cansada dos slogans batidos e das frases feitas dos cantores gospel. Não tem nada a ver com gênero musical. Eles compõem baião, xaxado, rock, reagge, chamamé, toadas, catira, samba... e uma infinidade de outras formas musicais. Na verdade a diferença não está no gênero utilizado, mas na postura diante das Escrituras, da Igreja, da cultura brasileira, da realidade mundial e do mercado. A diferença está na mensagem, tanto musical quanto poética, na seriedade do compromisso com os valores inegociáveis do reino de Deus, na liberdade das garras dos produtores e da indústria cultural, na ousadia de refletir e fazer refletir, de pensar com a Igreja e de tentar um diálogo autêntico com as pessoas de fora da Igreja.
3 – Falemos sobre o uso das tecnologias na propagação do evangelho. Você tem um blog, usa o twitter e está sempre divulgando tanto o seu trabalho como de outros músicos. Como você enxerga a inserção das pessoas (músicos, pastores, escritores) nesses instrumentos e o que você vislumbra para o futuro?
Não vou citar nomes, eles são muitos, e não conheço a todos. Esses companheiros têm feito uma obra musical relevante pelos quatro cantos do Brasil. Estão viajando por aí, cantando em pequenas ou médias igrejas, em eventos de pequeno porte, nada "impactantes", nada mega, nada super, nada hiper. Eles falam português do Brasil, dialogam honestamente com a cultura e ouvem antes de falar. Muitos são anônimos, conhecidos de poucos, mas suas canções trazem alento a muitos ouvidos cansados e vão ficar para serem conhecidas pelas próximas gerações. Com a expansão das tecnologias da informação, eles estão furando o bloquei das grandes produtoras. A internet tem sido uma ferramenta muito importante nesse trabalho de divulgação, pois agora eles têm blogs, sites, disponibilizam gravações, fazem shows via web e twitam livremente por aí, feito passarinhos. rs.
O risco é sempre o mesmo, o de que o veículo se torne um fim em si mesmo. O risco é o excesso de informação que entulha as redes sociais, os blogs os sites. O risco é a fragmentação dessas expressões. Todavia, é um risco que vale a pena ser enfrentado.
4 – Em termos trabalhos futuros o que podemos esperar?
Estou envolvido em vários projetos com parceiros preciosos. Junto com Fabrício Matheus, José Barbosa Jr. e Thiago Azevedo, ajudei a criar as "Canções do Rio", sambas de lamento dedicados às vítimas da tragédia que se abateu sobre as cidades de Petrópolis, Teresópolis, e Nova Friburgo, no início do ano. Essas canções não nasceram com pretensão de virarem disco, mas apenas de consolar corações aflitos. Gravei-as ao violão, compartilhei-as no meu site (www.gladircabral.com.br) e depois o Thiago postou-as no Youtube. A reação das pessoas foi imediata e emocionante. As canções ainda estão aí à espera de uma produção. Quem sabe logo elas viram um show e até um CD.
Com o Fabrício, colaborei na criação do projeto chamado "Canções do mar", uma série de canções praieiras a lá Caymmi. Outro projeto prontinho à espera de parceria.
Com o Jorge Camargo, fiz no ano passado uma série de canções sobre danças: valsas, cirandas, sambas... O projeto se chama (An)Dança. É desse projeto que nasceu a canção "Beija-flor", por exemplo, que está no mais recente disco lançado pelo Jorge. Outra canção desse projeto é "O mestre chamou", que está no CD gravado pela Aline Pignaton. Mas há uma série de outras inéditas.
Com o Jorge, também terminei recentemente o projeto "Cidades", em que homenageamos várias cidades do mundo: Rio de Janeiro, Buenos Aires, Londres, Nova Iorque, Veneza, Havana, Lisboa... Uma verdadeira viagem pelo mundo. Estamos agora tocando um outro projeto sobre quadros e pintores famosos da história. Inauguramos na semana passada com uma leitura do quadro "A casa amarela", de Vicent van Gogh. E por aí vai.
Além desses parceiros, ando fazendo canções com o grande amigo Tiago Vianna, Gerson Borges, Silvana Pinheiro, Silvestre Kuhlmann, Lys Alexandrina, Diego Venâncio, Arthur Egg... Acredito mesmo que as canções nascem da vida em comunidade, não do trabalho solitário do artista. "Ninguém é dono da sua canção e ninguém é raiz e fruto". Não creio no gênio que trabalha sozinho, mas na ação criativa da vida em comunhão. Cada canção, mesmo que nasça num momento de solidão, é resposta e pergunta, faz parte de um diálogo com outras pessoas.
Pessoalmente, tenho um sonho de gravar algumas canções de consolação e paz, um sonho que surgiu no início deste ano. Já tenho as canções todas, faltam os recursos, mas será um projeto barato: voz, violão, percussão e baixo. Quero gravar dúzia de canções para pessoas que estão nos hospitais ou em casa, pessoas enfermas, em tratamento, precisando de esperança, de alento, de presença. Isso não me sai do coração. Espero me organizar para isso até o ano que vem.
5 – Alguns dos visitantes do blog já conheciam seu trabalho, mas muitos tiveram, por aqui, o primeiro contato contigo e com teu trabalho. Deixe-nos uma mensagem e de antemão, agradecemos a sua presteza e paciência para conosco.
Orem pelos que estão envolvidos neste ofício, pelos que pregam, ensinam, cantam, dançam, pintam e servem a Deus e à Igreja por meio da arte. Orem para que nem a vaidade nem o desânimo tomem conta dos seus corações. Orem para que eles mantenham o foco na centralidade da Palavra e no diálogo com as pessoas. Orem para que as canções nasçam banhadas em verdade, contrição, fé intensa em Jesus, amor pelas pessoas. Um grande abraço a todos.
Gladir Cabral
@gladir
Entrevista feita por Presb. Cícero Pereira
@ciceroeiris
Grande poeta Gladir Cabral, espero ver outras entrevistas como essa por aqui.
ResponderExcluiro blog esta de parabéns.
Quando a conversa estava ficando melhor vocês encerram!!!Fala sério!!Big Brother pisou na bola!!Só tem uma saída manda mais,não apenas cinco,umas 30 ou 40 perguntas pro mestre!!Assunto não falta!!!
ResponderExcluirJoel, conversa boa é assim. Dá gosto de quero mais. Glória a Deus por isto.
ResponderExcluirFoi uma grande surpresa quando recebi um primeiro contato do Gladir que disse ter musicado um poema meu chamado Este meu Choro e que se tornou Um Chorinho bem Chorado, a emoção foi muito grande ao meu coração e agradeço sempre a Deus por ter, nestes desencontros da vida, encontrado tão brilhante, simples e maravilhoso poeta.
ResponderExcluirParabéns Gladir, que através das palavras, versos e melodia juntamos o norte e o sul do país.
Abraços.
Gladir Cabral.. meu mais novo icone da musica cristã...
ResponderExcluir